São Paulo, domingo, 22 de outubro de 1995
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Sobrecarga de trabalho é a doença dos anos 90

ANNABEL FERRIMAN
DO "THE INDEPENDENT ON SUNDAY"

David Black, 55, percebeu que havia algo errado quando começou a temer que, se voltasse do trabalho para casa de metrô, poderia se jogar na frente de um trem.
O que teria levado Black, acadêmico respeitado da Universidade de Londres (Inglaterra), a pensar em suicídio?
Tem um casamento feliz, duas filhas, uma casa confortável e um emprego bem remunerado em uma respeitada instituição acadêmica.
É autor de seis livros, 50 artigos e 20 relatórios. Trabalhou 20 anos na universidade, sem faltar um único dia por motivo de doença.
A razão estava na metamorfose de seu trabalho. Como milhares de outras pessoas no mundo supereficiente, enxuto e altamente produtivo dos anos 90, passou a fazer o trabalho de dois ou três funcionários, ganhando quase a mesma coisa que antes, sem receber qualquer apoio extra ou agradecimento especial.
É um fenômeno que ele chama de "intensificação do trabalho", mas que também já foi descrito como a "fórmula 2:3:2": metade das pessoas faz hoje três vezes mais trabalho e ganha o dobro do salário, em comparação à situação vigente no início dos anos 80.
Se excesso de pessoal era o mal dos anos 70, a doença dos anos 90 é sobrecarga de trabalho. A infelicidade de Black também é encontrada em empresas, clínicas e hospitais de todo o mundo.
Enquanto muitas pessoas perdem as esperanças de conseguir um emprego, muitos profissionais, nos setores público e privado, simplesmente não dão conta de sua carga de trabalho e, como Black, começam a pedir arrego.
"Até meados de 1992, estava produzindo pesquisas extremamente criativas. Nos últimos quatro anos, o número de alunos aumentou. Parece que passo meu tempo inteiro lecionando ou fazendo avaliações", afirma.
"Tentava fazer meu trabalho com a maior perfeição possível, fazendo pesquisas, preparando aulas e cuidando da parte administrativa, que é um inferno."
"Acordava de madrugada, repassando detalhes administrativos. Até que isso assumiu proporções descomunais. Emagreci, comecei a pensar em aposentadoria precoce. Achei que estava me matando de tanto trabalhar ou que acabaria por me matar."
A mulher de Black acabou convencendo-o a procurar uma médica, que recomendou que ele tirasse uma licença médica imediata.
"Minha depressão melhorou quando a médica disse: 'Você não é a primeira pessoa a passar por isso. Você não estará abandonando o trabalho sem justa causa. Não é sua culpa estar doente'."
Black afirma que seus sintomas eram: sobrecarga de trabalho, perda da auto-estima, sensação de que os melhores tempos tinham ficado para trás, sensibilidade excessiva a críticas -especialmente as da família- e sentimento de desespero.
Ele foi vítima de dois problemas comuns na vida profissional e gerencial de hoje: foi sujeito a mais pressões externas. E sofreu por ser um funcionário eficiente.
"Pessoas ambiciosas são muito eficientes e acabam sendo punidas por isso", diz Marilyn Davidson, professora de psicologia de organizações na Escola de Administração de Empresas de Manchester.
"Quando os diretores querem que um trabalho seja bem-feito, escolhem um funcionário eficiente."
"Costumam usar as mesmas pessoas sempre porque podem confiar nelas para dar conta do recado. As pessoas têm de aprender a dizer não e a explicar o porquê. Muitas vezes os chefes ignoram totalmente o volume de trabalho que seus subordinados estão recebendo, vindo de outros setores."
Além das evidências vindas de casos confirmados, há cifras que fundamentam a idéia de que as pessoas estão trabalhando mais? E, se estamos trabalhando mais intensivamente, isso nos faz mal?
Paul Gregg, ex-pesquisador emérito do Instituto Nacional de Pesquisas Econômicas e Sociais, diz que há evidências de que a carga de trabalho dos trabalhadores de colarinho branco aumentou.
"Até o final dos anos 70, a carga horária vinha caindo havia mais de um século. No final dos anos 70 e início dos 80, se estabilizou. Entre 1982 e 1993, aumentou de 41 para 43 horas semanais."
Ele atribui o aumento da carga de trabalho às crescentes desigualdades salariais e ao medo do desemprego. As chances de ganhar dinheiro aumentaram, assim como as penalidades impostas a quem não consegue "segurar o rojão".
Uma sondagem feita pela Personnel Today indica que muitos gerentes trabalham muito mais do que 43 horas por semana. Dois em cada cinco trabalham 50 horas, e um em cada oito, mais de 60. Uma firma de refeições para empresas, a Compass, publicou pesquisa mostrando que a hora do almoço virou coisa do passado.
O que acontece com as pessoas que trabalham demais?
O ensaísta Thomas Carlyle (século 19) afirmava que o trabalha era "a cura de todos os males da humanidade".
Mas será que ele teria dito a mesma coisa se vivesse na era das reuniões na hora do café da manhã, do telefone celular, do correio eletrônico e do fax?
Muitos dos novos métodos de comunicação intensificaram o ritmo do processo decisório -exigem respostas imediatas.
Os dias de trabalho perdidos por problemas de saúde relacionados ao estresse aumentaram de 37 milhões/ano, na década de 80, para 230 milhões/ano, na década de 90.
Howard Kahn, professor de psicologia de organizações na Universidade Heriot-Watt, em Edimburgo, prevê uma "explosão de estresse" nos próximos anos porque muitas empresas reduziram demais seu quadro de pessoal.
"As pessoas trabalham demais porque a concorrência é maior e há menos promoções: como muitos dos escalões desapareceram, existem menos cargos. Há mais agressões e mais demonstrações de violência no local de trabalho."
Segundo Cary Cooper, professor de psicologia de organizações no Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade de Manchester, o "downsizing" (redução dos níveis hierárquicos) levou ao surgimento de um fenômeno que ele chama de presenteísmo -o oposto do absenteísmo.
As pessoas chegam cedo ao trabalho e saem tarde, para mostrar compromisso com ele.
O psicólogo Stephen Palmer, que dirige o Centro de Administração de Estresse, em Londres, afirma que é nossa atitude em relação ao trabalho que determina como lidamos com as exigências.
"As pessoas que sofrem mais são as mais perfeccionistas. Mesmo que façam um trabalho bem-feito, nunca acham que está bom. Têm expectativas altas demais em relação a elas mesmas e aos outros", diz o psicólogo.

Tradução de Clara Allain.

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