São Paulo, domingo, 22 de outubro de 1995
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Guerra santa

O caderno especial "Guerra Santa" que a Folha traz em sua edição de hoje enseja uma reflexão sobre a tolerância religiosa no Brasil. A lamentável e grosseira agressão do pastor Sérgio von Helder, da Igreja Universal do Reino de Deus, à imagem de Nossa Senhora Aparecida teve pelo menos o mérito de colocar em discussão pública esse tema que, como tantos outros, costuma ficar relegado ao âmbito acadêmico e àqueles que de alguma forma se sentem perseguidos.
Da leitura do caderno fica difícil tirar uma conclusão inequívoca sobre se o Brasil corre ou não o risco de atravessar uma guerra santa. Há desde o líder umbandista que vê a chance de "derramamento de sangue" até o rabino que diz ser o Brasil um dos países que mais respeitam a diversidade em todo o mundo. Na impossibilidade de prever o futuro, resta a discussão de medidas que visem a impedir que esse futuro seja sombrio.
Em primeiro lugar é preciso derrubar o mito de que o país tem longa tradição de tolerância religiosa. O catolicismo foi até há pouco a religião oficial do Estado. O primeiro grande passo para tentar criar um ambiente de tolerância foi a acertada separação entre Estado e igreja. E aqui é bom lembrar que países civilizados de Primeiro Mundo como Holanda, Reino Unido e Japão ainda não deram esse passo.
O problema das religiões monoteístas, apesar de todos os esforços dos ecumênicos, é que elas se acham em maior ou menor grau proprietárias exclusivas de uma verdade revelada. E todos aqueles que a ela não pertencem estão afastados da verdade, devendo ser, portanto, excluídos.
Combater esse traço natural das religiões que se pretendem universais é certamente difícil, mas não impossível. Assim como na democracia parlamentares de diferentes partidos políticos são capazes, com alguma frequência, de realizar uma sessão sem se desavirem -alguns até trocam abraços e tomam cafezinho juntos-, também no campo religioso é possível estabelecer regras e padrões que visem a pelo menos manter a paz.
E essas regras já existem: são as regras da democracia inscritas na Constituição. O pleno respeito à liberdade de culto nos limites da lei. A melhor forma de combater a intolerância é zelar pelo pleno cumprimento da tolerância.

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