São Paulo, domingo, 22 de outubro de 1995
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Gran-circo Brasil

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Cito de memória: "Para os ricos, só existe um caminho para a conservação e ampliação de sua fortuna: é se apoderar do Estado". A frase podia pertencer a Maquiavel, ao deputado José Genoino ou a qualquer outro cartola neoliberal. Mas é de Lorenzo de Médici, nome de citação obrigatória quando se fala em príncipe e em Renascença.
Contemporâneo daquele miolo que fez de Florença a Atenas dos novos tempos, Lorenzo não foi, exatamente, um político. Sua cabeça e sobretudo seu coração estavam direcionados para as artes, daí que seu nome até hoje é sinônimo de mecenato.
As complicações da cidade-Estado, somadas às rivalidades das grandes famílias que provocaram o histórico massacre em Santa Maria dei Fiori, obrigaram o jovem Médici a aceitar o poder aos 20 anos. Para explicar a guinada em seu destino ele teve de enunciar a frase que citei no início da crônica. Ela pode parecer cínica -e é cínica mesmo.
Em tempos neoliberais tornou-se grosseira a vigilância do poder econômico sobre o poder político. Antigamente -e ao falar em "antigamente" não me refiro à Renascença, mas a um passado bem mais próximo- as coisas eram mais veladas, o poder econômico disfarçava mais e melhor o controle sobre o fato político.
Hoje (para usar palavra em moda) o processo está mais transparente. Durante a Constituinte, por exemplo, empresários e ruralistas procuraram influir abertamente na elaboração da nova Carta. Não se tratava de banal disputa pelo mando, pois esses grupos desprezam as formas adjetivas do poder. O que eles pretendiam -e agora pretendem através das reformas- é moldar o Estado de acordo com seus objetivos operacionais.
O negócio é complicado: criou-se uma superstição democrática em torno do Estado: por definição, ele tem de promover o bem comum. O jeito é acabar com o Estado, transformando-o em empresa. Bem administrado, o Estado-empresarial poderá manter creches para seus empregados, distribuir vales-refeição e convocar o florentino Franco Zeffirelli para dar circo ao povo nos dias santificados.

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