São Paulo, domingo, 22 de outubro de 1995
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heavy cai na timbalada

ANA BAN

Como foram as gravações?
Cavalera: O estúdio é nas montanhas, tem um pico de onde você vê o vale inteiro e o mar. É inacreditável. O produtor (o norte-americano Ross Robinson) conseguiu colocar todas as percussões nesse lugar, um espaço do tamanho de um banheiro. Gravamos umas quatro horas de percussão, todo mundo junto. Parte dessas gravações vai ser jogada no disco. O estúdio é diferente de todos os outros lugares em que a gente já gravou. É mais velho e, quando você chega, parece que se afastou por inteiro da civilização. É uma cabana no meio da montanha. No último dia, fizemos uma música juntos: foi um casamento. A gente tocou o lance do Sepultura no fundo e Carlinhos Brown fez a percussão animal dele em cima.
Brown: Foram três dias maravilhosos. Você pode até pensar que esses caras estão só fazendo barulho, mas estão falando de coisas seriíssimas. É uma família e eu me sinto muito honrado de ser convidado pelos "Cavalera da Távola de Minas Gerais". Eles são mineiros mundiais, parece que, onde eles chegam, tudo vira Minas. Eu pirei em uma idéia genialíssima de a gente ter gravado em um "cannyon", um precipício mesmo. O produtor descia a encosta e colocava o microfone lá embaixo, para gravar o som da água descendo, das pedras que a gente jogava. Usávamos tudo do lugar para fazer som. Na hora de ouvir, saiu uma coisa que a gente nunca tinha imaginado.
Vocês já tinham gravado com alguém de estilo tão diferente do seu?
Cavalera: Não, isso que é legal. Tocar com o Carlinhos é diferente, mas no fundo é a mesma coisa. O que a gente quer expressar é o mesmo. A gente tem prazer de trabalhar com todo mundo, e é isso que mantém o Sepultura diferente das outras bandas. A gente se adapta a vários estilos sem ficar preso, e avança.
Brown: As primeiras bandas em que eu toquei na Bahia, nos anos 70, eram de rock. O próprio trio elétrico é pesado. Música pesada é pesada no mundo inteiro, um tipo de gente gosta dela. Não significa que tenha só guitarra distorcida. O que a gente faz na Bahia (Olodum, Timbalada), é um comportamento rock: botar para fora e reclamar, ou preservar a alegria quando preciso. A diferença é que, muitas vezes, o rock dá referências muito velhas, parece ser a música mais antiga do mundo. Cada vez que o mundo avança, mais o rock distorce. Percussão dentro do rock dá uma distorção incrível.
O que vai ficar desse encontro?
Cavalera: Espontaneidade. É inacreditável como ele tira som de tudo, qualquer coisa vira instrumento.
Brown: O respeito pela família Sepultura. Fiquei louco com Juju e Zyon (filha de Andreas e filho de Max, respectivamente). E a lição de que é sempre preciso cantar o que se sente, para se renovar.
A parceria deve se estender?
Cavalera: A gente nunca planeja nada. Se pintar de fazer um show junto, legal. Tocar ao vivo é um prolongamento do que acontece no estúdio, fica mais criativo.
Brown: Não existe nada concreto, mas estou com esses caras onde for preciso. Eles são a família brasileira de verdade. Ao mesmo tempo em que são brasileiros, parecem ciganos, sempre juntos. Mas o que eu mais gostaria de realizar agora é ver o Sepultura no Carnaval da Bahia. Se tem alguém aí que é a favor da ressurreição das estéticas nacionais, pode começar a pensar.

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