São Paulo, domingo, 22 de outubro de 1995
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Beakman, Holmes e cnidários

DALMO MAGNO DEFENSOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Na primeira aventura de Sherlock Holmes, "Um Estudo em Vermelho", o dr. Watson fica surpreso ao descobrir que o detetive nada sabe de astronomia, chegando ao cúmulo de ignorar a composição do sistema solar e o fato de a Terra girar em torno do sol.
Holmes crê que o cérebro tem capacidade física limitada, devendo, por isso, ser ocupado apenas com informações aproveitáveis em seu ofício de detetive.
Dados inúteis sobrecarregam e bagunçam a mente, dificultam acesso aos dados úteis e, por vezes, ocupam seu lugar.
Assim, após ser informado por Watson sobre a teoria heliocêntrica de Copérnico, Holmes diz que tratará de esquecê-la o mais breve possível.
Holmes não daria bola para a ciência exibida na TV, que passa ao largo do que se imagina compor o currículo de criminologistas, e perderia oportunidade de constatar que todo conhecimento científico serve para alguma coisa.

Caravelas
Em documentário exibido na Cultura, a voz sedosa de Valéria Grillo fala sobre águas-vivas e caravelas, pertencentes ao nobre filo dos cnidários. Em princípio, o tema interessa somente a biólogos e turistas-mergulhadores.
No entanto, o advogado que deixa o mar com as costas em brasa poderia ter escapado da queimadura da água-viva se soubesse reconhecê-la; e o banqueiro quebrado, que planeja tentar uns trocados no "Melhor de Todos", teria maior chance se soubesse que caravela não é apenas um antigo navio lusitano.
Ciência também é humor. Em "O Mundo de Beakman", o cientista de cabelos à Don King explica de tudo um pouco -de como funcionam os submarinos à diferença de consistência entre o ranho e a cera de ouvido (argh!), mas tem seus melhores momentos quando faz divertidas experiências com material caseiro.

Mágica
O Gui, filho de um casal amigo, apóia dois garfos cruzados sobre um palito de dentes e o equilibra, ponta com ponta, sobre outro palito, espetado em posição vertical na tampa de um saleiro. Sucesso entre garçons dos restaurantes frequentados pela família, o truque foi utilizado por Beakman para ilustrar o conceito de centro de gravidade.
Há alguns meses, na festa de aniversário de um sobrinho, peguei uma vareta de madeira e com ela trespassei um dos balões de borracha que compunha a decoração.
Diante do balão teimosamente cheio, apesar de espetado como um coração de frango, olhos infantis se arregalaram. Tive a mesma sensação de prestígio do mágico David Copperfield, até que uma vozinha me delatou: "Nhããã, você aprendeu isso com o Beakman!"
Convém mencionar que Holmes não era tão seletivo nas leituras como dizia. Na aventura "A Juba do Leão" um cadáver é encontrado na praia com feios vergões nas costas.
Não foi suicídio, os suspeitos têm álibis e o detetive fica em sinuca de bico até se lembrar de algo que lera um um livro do tipo "O Mundo em Que Vivemos", repleto da equivocadamente chamada "cultura inútil".
Em nova consulta ao livro, Holmes confirma a suspeita e já sabe o que procurar.
Volta ao local do crime, uma piscina natural à beira-mar, e avista o assassino: um animal pulsante de nome Cyanea capillata, descrito na inútil publicação como se parecendo com "punhados de juba de leão e papel de seda". Um cnidário, naturalmente.

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