São Paulo, segunda-feira, 23 de outubro de 1995
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'Picasso' encontra Elvis

NELSON DE SÁ
DO ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK

É difícil conter o riso ou a piada quando se pensa no ator Steve Martin como dramaturgo. Comediante, um dos melhores saídos do programa Saturday Night Live, mas hoje mais conhecido por medíocres comédias românticas no cinema, ele não havia escrito uma única peça antes desta "Picasso at the Lapin Agile".
E trata-se de uma peça com ares de alta cultura, uma produção original do prestigioso grupo Steppenwolf de Chicago, uma montagem que arrisca retratar um suposto encontro entre o pintor Picasso e o físico Albert Einstein em Paris, no bar Lapin Agile, em 1904.
Mas a impressão não se sustenta por muito tempo. Com tudo o que possa ter buscado Steve Martin do espírito modernista de então, o que resulta é mesmo uma comédia. Na maior parte do tempo, uma comédia romântica, mas ligeiramente acima da mediocridade.
"Picasso at the Lapin Agile", que fez a sua estréia oficial ontem à noite, acaba por revelar-se inteiramente na segunda metade da apresentação, quando entra em cena o que seria o terceiro gênio do espetáculo: Elvis Presley.
Então, o que parecia empostação de alta cultura vem abaixo e se apresenta como uma grande brincadeira, em que não faltam algumas belas imagens sobre a civilização americana -nada mais distante do Lapin Agile.
A paixão de Steve Martin em "Picasso at the Lapin Agile" está presente em Elvis Presley, não em Picasso ou Einstein. É pelos olhos de Elvis Presley, que surge no palco como um fantasma, como é bem próprio do culto americano em torno do cantor popular, que o comediante Steve Martin vê Picasso e Einstein.
É o romantismo de Elvis Presley, interpretado com uma impagável estupidez "cool" por Gabriel Macht, que ele contrapõe humilde, modestamente, à "Teoria Especial da Relatividade", publicada por Einstein um ano depois, e ao quadro "Les Demoiselles D'Avignon", pintado por Picasso três anos depois.
Saindo do teatro Promenade, com uma canção de Elvis ao fundo, era difícil conter o riso, mas já não era de escárnio.
(NS)

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