São Paulo, segunda-feira, 23 de outubro de 1995
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Embargo pára o Iraque, diz empresário

JOÃO BATISTA NATALI
ENVIADO ESPECIAL A BAGDÁ

Por falta de peças ou de matéria-prima, 85% das fábricas iraquianas deixaram de funcionar. É o que disse à Folha Adnan al Kudsi, presidente da Federação das Indústrias do Iraque.
Essa quebradeira ou hibernação, provocada pelo embargo comercial imposto pela ONU desde a invasão do vizinho Kuait, em 1990, traz como principal subproduto o aumento do desemprego, sobre o qual o regime de Saddam Hussein não divulga nenhuma avaliação quantificada.
A Folha tentou obtê-la em dois ministérios e, ao fim de quatro dias de promessa não cumprida, foi informada de que seria difícil conseguir os dados.
O próprio Al Kudsi dá uma mostra da dimensão do problema do desemprego. Chegou a ter 85 funcionários em sua empresa. "Agora, preciso de apenas 15."
O órgão oficial do governo responsável por apurar a inflação também não divulga dados há 15 anos. A razão alegada: "Não dar informações para os inimigos".

Folha - De que maneira o embargo comercial afetou a indústria do Iraque?
Adnan Al Kudsi - Temos cerca de 20 mil empresas e delas cerca de 85% estão paradas, pois dependem de matéria-prima importada. Às vezes, a matéria-prima é nacional, como o tomate para os extratos ou sucos, mas falta metal para as latas e peças de reposição para as máquinas.
Folha - Que indicadores o sr. dispõe sobre o peso que a indústria possuía no PIB iraquiano antes de 1990?
Al Kudsi - Não saberia situar a indústria com relação ao PIB. Mas posso dizer que entre 1981 e 1990 o governo autorizou importações de US$ 1,1 bilhão ao ano, apenas em maquinaria e matéria-prima.
Folha - Qual a taxa de desemprego com o fechamento de tantas fábricas?
Al Kudsi - Possuo apenas indicadores indiretos. Nos anos 80, quando os operários estavam no Exército com a guerra contra o Irã, chegamos a ter 3,5 milhões de trabalhadores estrangeiros. Estávamos em 1990 com 1 milhão (600 mil só do Egito). Com o embargo, todos deixaram o Iraque e, mesmo assim, o desemprego e o subemprego atingem milhões de assalariados.
Folha - Não há nenhum jeito de contornar o embargo por meio de importações ilegais da Jordânia?
Al Kudsi - Sempre que há uma proibição, alguns acabam encontrando uma saída. Sei, de segunda mão, de pessoas que encomendam peças de reposição e conseguem atravessar a fronteira ao subornar os fiscais da ONU contratados para fazer cumprir a resolução do embargo. Mas é algo, em termos de economia como um todo, bastante irrisório.
Folha - A ONU então se deixou corromper?
Al Kudsi - Não foi isso que eu disse. Soube por uma delegação comercial italiana, que esteve aqui recentemente, que é possível importar muitos produtos, desde que recolhida, legalmente, uma taxa de 10% para a ONU.
Folha - Se fosse verdade, por que o mecanismo não funciona há tempos em grande escala?
Al Kudsi - Respondo com outra pergunta: onde é que os importadores iriam arrumar divisas fortes para fechar essas operações?
Folha - Como estão as coisas em sua própria empresa?
Al Kudsi - Tão logo foi votado o embargo, eu empatei todo o meu capital na compra de todo o ferro disponível no mercado para as lajes pré-fabricadas que eu produzo. Estou, desde então, na dependência desse estoque, que infelizmente não durará mais que um ano.
Folha - E quantos operários o sr. precisou demitir?
Al Kudsi - Cheguei a ter 85, mas agora preciso de apenas 15.
Folha - Por fim, sua federação não pressiona Saddam para que ele faça concessões à ONU, e assim o Iraque volte a comercializar com seus antigos parceiros mundiais?
Al Kudsi - Saddam Hussein também é iraquiano, sente os efeitos do embargo e está sendo vítima de uma manobra desencadeada contra o Iraque pelos Estados Unidos e por seus aliados no Oriente Médio, como a Arábia Saudita.
Não se esqueça de que os sauditas não têm interesse no fim do embargo porque, com a volta do Iraque ao mercado dos produtores de petróleo, eles seriam obrigados a diminuir o volume que passaram a exportar há cinco anos.

O jornalista JOÃO BATISTA NATALI esteve em Bagdá a convite do governo iraquiano

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