São Paulo, terça-feira, 24 de outubro de 1995
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Cinema francês acorda com "O Ódio"

FERNANDA SCALZO
DA REPORTAGEM LOCAL

O cinema francês caiu de boca na realidade. Mathieu Kassovitz, diretor do filme "O Ódio", é uma espécie de Spike Lee do subúrbio parisiense. Seu filme é nervoso, agitado, embalado pelo rap francês como os jovens da periferia.
Com "O Ódio", seu segundo filme, Mathieu Kassovitz, 28, ganhou o prêmio de melhor direção no último Festival de Cannes. Antes, havia feito "Métisse" (Mestiça), seu primeiro longa, e o curta "Pierrot Le Pou".
"Este filme é a história de um cara que cai de um prédio de 50 andares e a cada andar que passa ele pensa: 'até aqui, tudo vai bem'. Mas o importante não é a queda, é a aterrissagem." Assim "O Ódio" se anuncia.
Filmado em preto e branco, "O Ódio" não pretende ser uma reportagem-denúncia da realidade. "O filme é menos que a realidade, mas também a realidade não é uma só", disse Kassovitz à Folha, em entrevista realizada no último domingo com o diretor e dois dos atores do filme, Hubert Koundé, 24, e Saîd Taghmaoui, 22, no hotel Maksoud Plaza.
Os três participam hoje de debate na Folha (leia texto abaixo).
"O Ódio" é a história de um dia na vida de três garotos que vivem na periferia norte de Paris. Hubert é negro, Saîd tem origem árabe e Vinz é judeu. Depois de uma manifestação, a polícia fere um amigo deles, que fica entre a vida e a morte. Vinz encontra uma arma perdida por um policial no conflito e decide que vai se vingar da polícia caso o amigo morra.
A história é baseada em um fato real, de um jovem árabe que foi morto pela polícia. O racismo e a exclusão dos jovens é hoje um dos principais problemas da sociedade francesa. "Se eu soubesse como seria a aterrissagem da França, eu a teria mostrado no filme", disse Kassovitz. "Mas a aterrissagem para a França vai ser a mesma para o mundo todo. Não é só na França que acontece esse tipo de situação", disse Hubert Koundé.
"O racismo é uma questão econômica. Em todos os países do mundo os ricos são brancos e os pobres são negros. E a polícia está sempre entre eles", disse Kassovitz. "Mas na França ainda é pior, porque é tudo escondido e é o país dos direitos do homem", disse Saîd Taghmaoui.
"Isso tudo não é novo, só estamos repetindo o que já foi dito um milhão de vezes. Mas descemos na banca de jornal lá embaixo e nas capas das revistas só tem pessoas loiras", disse Taghmaoui.
"Em todos os outros países da Europa, os negros estão com os negros, os árabes com os árabes, os italianos com os italianos. Mas na França não. Nas periferias, você encontra todas as comunidades confundidas. Porque não é um problema de raça ou de cor, é um problema social, a merda em que estamos", disse Taghmaoui.
"Cada um é que tem que tomar consciência de seu poder como cidadão. A solução está aí. Não na violência ou na não violência", disse Hubert.

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