São Paulo, quarta-feira, 25 de outubro de 1995
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A sociedade civil e o aborto

ROSISKA DARCY DE OLIVEIRA

A Conferência Mundial da Mulher, que acaba de se realizar na China, em uma de suas decisões mais corajosas, recomendou a todos os Estados "considerar a revisão das leis que contém medidas punitivas contra as mulheres que realizam abortos ilegais".
O Brasil, como a grande maioria dos países, assinou sem reservas a Plataforma de Ação de Pequim. Dando cumprimento a esse compromisso, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher pôs em marcha um processo de consulta da sociedade civil visando a formular propostas e recomendações sobre a questão.
Todos sabemos quão complexo é o tema do aborto. Mas também ninguém ignora que, no Brasil, mais de um milhão de mulheres aborta a cada ano em condições precaríssimas. As sequelas do aborto clandestino constituem, em nosso país, uma das principais causas de mortalidade feminina.
Os movimentos de mulheres há anos têm denunciado esse estado de coisas, agravado pela inexistência de uma política eficaz de planejamento familiar. É o reconhecimento dessa situação que explica a tomada de posição da comunidade internacional.
Como demonstra a experiência de outros países, a exemplo dos Estados Unidos, França e Itália, a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez tem tanto maior chance de ser aprovada quanto maior for o apoio do conjunto da sociedade civil a uma causa que não é só das mulheres. O preço, em termos de sofrimento físico e psíquico, que as mulheres brasileiras vêm pagando na solidão em que enfrentam o problema não pode continuar a ser ignorado.
A Comissão de Reforma do Código Penal, criada em abril desse ano no Ministério da Justiça, nos oferece um contexto privilegiado para o debate sobre as propostas de mudança legal. O Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, em diálogo com a sociedade civil, buscará, por sua vez, interlocução com essa Comissão, com vistas a garantir que os compromissos de Pequim não se tornem letra morta.
As consultas já em curso junto a juristas e representantes de organizações de mulheres ligadas à área de saúde são o primeiro passo da construção desse diálogo entre governo e sociedade.
Bem sabemos que as conclusões das conferências internacionais não têm força de lei no plano interno a cada país. Porém as recomendações da comunidade internacional definem uma nova agenda de direitos e deveres que têm a força de um referencial político. O desafio, agora, para o Brasil é o de adequar sua legislação a esse novo referencial.

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