São Paulo, domingo, 29 de outubro de 1995
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De Roma a Acopiara

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

Chegam às raias da comicidade os exercícios retóricos da Igreja Católica para tentar validar certas posições que o mundo real teima em tornar caducas. Caso, principalmente, das prescrições do Vaticano referentes ao universo da sexualidade.
A idéia da união matrimonial como núcleo reprodutor, a oposição ao uso de preservativos e contraceptivos, a condenação intransigente ao homossexualismo e a rejeição radical ao aborto parecem ser o cavalo de batalha do conservadorismo católico em sua cruzada contra a dissolução dos costumes.
Acontece que em alguns desses assuntos a opinião da Igreja é tão despropositada, tão flagrantemente irracional, que o cavalo nem chega a entrar na batalha.
O uso de preservativos, por exemplo. Quem pode compreender, diante da devastadora realidade da incidência de Aids em todo o mundo, que representantes de Deus na Terra venham dizer que a camisinha contraria os desígnios da Providência?
É tamanha a incongruência que até mesmo governos tradicionalmente sob influência católica, como é o brasileiro, ignoram a pregação e vão para os meios de comunicação fazer campanha para que a população use preservativo.
Na semana passada, mais uma vez a Igreja Católica entrou em cena para desfiar seu rosário de condenação ao homossexualismo. É contra o projeto da deputada Marta Suplicy que prevê a regulamentação da união civil entre pessoas do mesmo sexo.
O tema pode ser polêmico, mas diz respeito a uma realidade reconhecível internacionalmente. A união entre pessoas do mesmo sexo deixou de ser uma extravagância para fazer parte do cotidiano de muitas famílias e muita gente -católicos inclusive.
Mas no mundo em que esse tipo de união já é fato corriqueiro, em que se publicam livrinhos politicamente corretos para crianças criadas por pares masculinos ou femininos, em que o próprio clero colabora para apimentar a crônica das relações homossexuais (quem não conhece uma história de padre gay?), o monsenhor Arnaldo Beltrami, de São Paulo, repete a lenga-lenga e diz que a “união de pessoas do mesmo sexo é contra a natureza". Se é contra a natureza, por que acontece em todo tipo de sociedade humana, dos gregos aos índios brasileiros?
Mas irônica é a comparação que ocorreu ao monsenhor para defender seu ponto de vista: “É o mesmo que ir contra a lei da gravidade”. Bem, não foi outra coisa que a Igreja Católica fez em seu passado. Não se curvou ao peso das demonstrações de que a Terra era redonda e girava em torno do sol -evidência da qual a posterior equação de Newton dependeu obviamente.
A posição católica serve para muito pouco, além de reforçar a intolerância machista em relação à homossexualidade, tão bem exemplificada pela frase do deputado Pinheiro Landim, do Ceará, a respeito do projeto: “Venho de uma terra de homens muito machos. Na minha cidade, Acopiara, os homossexuais são banidos, vão para os grandes centros”.
Felizmente, o mundo não se resume ao universo mental e comportamental de Acopiara. Ainda que o Vaticano pareça gostar muito da idéia.

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