São Paulo, domingo, 29 de outubro de 1995
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Médicos tentam reabilitar clínico geral

ALESSANDRA BLANCO; AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de duas décadas perdendo pacientes no mercado e prestígio nas escolas de medicina, os médicos generalistas iniciam uma contra-ofensiva. Querem retomar o espaço que ocupavam 40 anos atrás quando o consultório era um confessionário e os instrumentos se resumiam ao estetoscópio.
Há cinco anos, quando quis fundar uma sociedade que reunisse clínicos gerais, o médico Antonio Carlos Lopes, 48, atraiu meia dúzia de interessados. Duas semanas atrás, um congresso reuniu 3.000 generalistas em São Paulo.
"Estamos resgatando a autêntica missão do médico", diz Lopes, que é professor da Universidade Federal de São Paulo e preside a atual Sociedade Brasileira de Clínica Médica.
O desprestígio do generalista veio na esteira de uma supervalorização dos especialistas e da parafernália médica. O resultado foi um verdadeiro culto aos exames, muitos deles desnecessários. Segundo Lopes, entre 70% e 80% dos exames realizados fora dos hospitais dão resultados normais ou negativos.
Os serviços públicos de saúde fazem cerca de 40 milhões de exames por mês no país. Os principais laboratórios particulares de São Paulo fazem outros 500 mil. Os médicos concordam que bons generalistas, com tempo para ouvir e apalpar seus pacientes, poderiam reduzir esse número pela metade.
Foram os baixos salários, o excesso de trabalho e o pouco incentivo das faculdades que empurraram os médicos para as especialidades. Entre os 55 mil profissionais aprovados em exames da Associação Médica Brasileira, apenas mil escolheram a clínica médica como especialidade. Na relação da AMB, há mais cirurgiões plásticos e radiologistas do que médicos generalistas.
"O médico está virando um gigolô de máquinas", diz Oswaldo Luiz Ramos, 67, chefe de clínica médica da Universidade Federal de São Paulo.
O papel do generalista é ser um integrador entre as especialidades. "Quanto mais sofisticada a medicina, maior a necessidade de bons clínicos gerais", diz Milton de Arruda Martins, 41, da Faculdade de Medicina da USP.
A superespecialização foi copiada do modelo americano a partir dos anos 70. Nos EUA, a recuperação do generalista já começou. Aqui, o país ainda paga pelas distorções.
Um programa de medicina da família criado pelo Ministério da Saúde está empacado em algumas regiões por falta de clínicos gerais. O ministro Adib Jatene vem repetindo que o país precisa de menos máquinas e mais generalistas.
A deformação começa no salário. O clínico geral tem de se contentar com o preço da consulta -R$ 2,04 no sistema público de saúde ou R$ 20,00 pela tabela da Associação Médica Brasileira. O especialista pode cobrar procedimentos de sua área. Um eletrocardiograma custa R$ 12 pela tabela da AMB. Uma endoscopia, R$ 48.
Décio Mion Júnior, 48, trata de hipertensão arterial, uma especialidade dentro de outra, a nefrologia. Ele recomenda que o paciente procure primeiro um clínico. "Em 90% dos casos, um generalista é capaz de resolver os problemas de hipertensão." Aos especialistas, ficariam os casos mais graves.

LEIA MAIS
Sobre os clínicos gerais nas págs. 2 e 3

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