São Paulo, domingo, 29 de outubro de 1995
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Câmbio, salários e competitividade

EDWARD J. AMADEO

A solução macroeconômica para a apreciação do câmbio é a deflação dos preços domésticos
A estabilização e a competitividade da indústria têm estado no centro das atenções e, não raro, confundem-se instrumentos de política diretamente voltados para a estabilização com instrumentos voltados para a política de competitividade.
O exemplo mais óbvio desse conflito está na política cambial. A âncora cambial utilizada como instrumento de estabilização, ao expor as empresas à concorrência internacional, leva a iniciativas que favorecem o crescimento da produtividade.
Entretanto, além de determinado limite, a abertura da economia e a apreciação do câmbio exigem ajustes complicados. Setores que seriam competitivos mediante uma exposição gradual à concorrência externa não suportam o choque imposto por um processo muito rápido e profundo.
A depender do grau de apreciação do câmbio, o que poderia ser um problema localizado passa a ser um problema macroeconômico, e as variáveis de ajuste passam também a ser de caráter macroeconômico.
É evidente que a solução "macroeconômica" para uma situação de apreciação do câmbio é a deflação dos preços domésticos, em particular dos preços e salários nos setores expostos à concorrência externa.
Com o intuito de preservar a abertura e evitar a desvalorização do câmbio, e a fim de estabelecer as condições para a deflação ou para reduzir a rigidez dos salários, políticas contracionistas passam a ser necessárias.
Logo, o sucesso dessa estratégia exige um período de transição -que pode ser longo-, de adaptação dos preços domésticos e estrutura setorial da economia ao novo patamar do câmbio e abertura comercial.
No Brasil, como se vê no gráfico, o crescimento da relação salário-câmbio nos últimos meses resulta em grande medida da apreciação cambial, e não do crescimento do salário real.
É evidente que o que aparece como um problema de "falta de competitividade devido à rigidez salarial ou à baixa taxa de crescimento da produtividade" resulta, de fato, de uma política cambial demasiadamente agressiva.
No entanto, as propostas de política tendem a voltar-se para a redução do "custo Brasil", com particular atenção dada para os custos trabalhistas.
Nessas circunstâncias, tanto as políticas públicas quanto as iniciativas das empresas passam a confundir a resposta imediata à perda de competitividade devido à apreciação cambial com políticas de produtividade e competitividade de maior alcance.
No caso das políticas públicas, as medidas para "flexibilizar" o mercado de trabalho são um exemplo típico. A flexibilização muitas vezes não tem outro objetivo senão o de reduzir o custo do trabalho e o salário.
A redução de encargos trabalhistas, a adoção de contratos por tempo determinado, a redução dos custos pecuniários e institucionais para demitir trabalhadores, o estabelecimento de salários mínimos ou encargos diferenciados por idade são exemplos de propostas para flexibilizar o mercado de trabalho, que, de fato, têm por objetivo reduzir o custo do trabalho.
É possível que, dada a estratégia de estabilização em curso, a única forma de reduzir os custos trabalhistas seja reduzindo salários e encargos. Mas o diagnóstico sobre as causas do crescimento do custo trabalhista em dólares (que é o que importa para a competitividade) deve ser corretamente feito: deve-se à apreciação cambial.
No caso das empresas, as respostas mais típicas à perda de competitividade são o "downsizing" e a terceirização. Em ambos os casos, as empresas são capazes de aumentar a produtividade do trabalho e reduzir custos. Trata-se, portanto, de uma solução eficiente para lidar com a competição externa.
Até que ponto essas iniciativas favorecem o crescimento da produtividade e a competitividade no longo prazo? Em geral, essas iniciativas tendem a reduzir a segurança do trabalhador, tornam mais frágeis e passageiros os laços entre a empresa e o trabalhador e favorecem condições de trabalho muito piores, principalmente nas empresas terceirizadas.
Sob determinado ponto de vista, podem, de fato, aumentar a produtividade. São mudanças que aumentam a pressão competitiva no mercado de trabalho. Diante dessas pressões, a resposta racional do empregado é dar o melhor de si para garantir a performance da empresa e preservar seu emprego.
O argumento aqui é que quanto maior a segurança do trabalhador, menores os incentivos para que se empenhe no trabalho. Ao reduzir a segurança, há menos desperdícios e mais eficiência.
Existe, entretanto, uma outra lógica. A segurança e a perspectiva de estabilidade da relação de emprego aumentam o grau de comprometimento mútuo entre empresa e trabalhador.
Do ponto de vista da empresa, os incentivos para investimentos em capital humano (treinamento e qualificação) aumentam com a perspectiva de estabilidade da relação de emprego.
Do ponto de vista do empregado, o comprometimento com os objetivos da empresa também crescem com a perspectiva de permanência no emprego.
Essa tem sido a lição oferecida pelo sistema de relações de trabalho na Alemanha e no Japão.
É difícil fazer uma opção entre as duas perspectivas. Entretanto, na medida em que elementos da segunda perspectiva sejam eficazes para aumentar a produtividade, as respostas mais imediatas ao choque de concorrência externa baseadas na flexibilização do mercado de trabalho e redução de custos via "downsizing" e terceirização podem ter efeitos negativos. Só que os efeitos aparecerão demoradamente, ao longo do tempo.
É possível que as respostas a uma situação provocada pela agressividade da política cambial e de abertura comercial, motivadas pela política de estabilização, e que, aparentemente, aumentam a produtividade e a competitividade, de fato, estejam comprometendo esses objetivos no longo prazo.

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