São Paulo, domingo, 29 de outubro de 1995
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Realidade é mais feia que ficção em 'O Vôo'

CLÓVIS ROSSI
DA REPORTAGEM LOCAL

"O Vôo", que a editora Globo lança no Brasil, é daqueles livros cujo enredo a maioria das pessoas tende a acreditar que é ficção.
Os horrores nele descritos parecem, de fato, pertencer ao território dos mais obscuros recantos do comportamento humano, e não ao retrato de uma realidade muito próxima no tempo e na geografia.
Trata-se do livro do jornalista argentino Horácio Verbitsky, que narra algumas das principais fatias da violência praticada pela ditadura militar do período 1976-83.
O ponto de partida -e origem do título- é o depoimento do capitão-de-corveta Adolfo Francisco Scilingo. Ele não fez propriamente uma revelação. Tanto que o livro recupera telegrama divulgado pela "Ancla ("Agência de Notícias Clandestina).
Já em agosto de 1976, a agência informava a propósito de alguns dos presos da Escola de Mecânica da Armada (a Esma): "Acredita-se que tenham sido executados e jogados no rio da Prata".
A importância de Scilingo está mais no fato de vir das entranhas do mecanismo de terror institucionalizado pelos governos militares.
O chocante é:
1 - Que uma máquina de matar de tal virulência tenha podido instalar-se na Argentina;
2 - Que tenha permanecido intocada durante todo o ciclo militar;
3 - Que, mesmo depois dele, tanto os governos civis como as Forças Armadas tenham evitado reconhecer a realidade.
Que Verbitsky tenha sido o jornalista procurado por Scilingo para esse tipo de depoimento-bomba é natural. Trata-se, certamente, do mais notável nome do jornalismo argentino em investigações.
Antes de "O Vôo", Verbitsky produzira "Robo para la Corona" ("roubo para a coroa"), devastadora compilação de casos de corrupção no governo Menem. E, sobre os "robos para la corona" faz-se silêncio idêntico ao que cercou os crimes da ditadura.

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