São Paulo, domingo, 29 de outubro de 1995
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Peru não precisa de partidos, diz Fujimori

EMANUEL NERI
ENVIADO ESPECIAL A LIMA

Três meses depois de assumir seu segundo mandato como presidente do Peru, Alberto Fujimori, 57, diz que em seu modelo de democracia não há lugar para partidos políticos.
"A administração agora é sem partidos políticos." Para ele, a democracia posta em prática no Peru "fez com que os partidos políticos perdessem presença".
O presidente diz que seu governo tem como base a ordem, a disciplina e a segurança. Segundo ele, o terrorismo do Sendero Luminoso está derrotado, e o Peru é hoje "um dos países mais seguros do mundo".
Fujimori chegou ao governo em 1990. Para combater o terrorismo, fechou o Congresso e o Judiciário. Aprovou uma nova Constituição e se reelegeu em abril deste ano com 65% dos votos. Iniciou seu segundo mandato em julho.
Fujimori falou à Folha sobre seu estilo de governar. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Folha - Inflação de 7.000% ao ano e terrorismo que causou mais de 26 mil mortes. O que foi mais difícil para o governo?
Alberto Fujimori - O terrorismo. É muito difícil e muito complexo porque ele estava se expandido em nível nacional. Eles (do Sendero Luminoso) tinham toda uma organização, e as Forças Armadas e policiais estavam desajustadas porque havia 12 anos estavam perdendo essa guerra.
Para combater o terrorismo tive de tomar medidas drásticas. Eu disse: a estratégia é essa e para aplicá-la não posso trabalhar nem com esse Judiciário nem com esse Congresso. Eles não aceitavam nem apoiavam os tipos de medidas que eu tinha de adotar.
Folha - O que o sr. chama de medidas drásticas foi o fechamento do Congresso e do Judiciário. O sr. está seguro de que não havia outra solução?
Fujimori - O tempo tem demonstrado isso. Tem me dado razão e resultados. Há dois anos e meio não temos problemas com terrorismo. Este é um dos países mais seguros do mundo. Em que país um presidente pode sair pelas ruas, como eu faço aqui?
Folha - Medidas como essas são recomendáveis para países com problemas parecidos com os do Peru?
Fujimori - Não acredito que um modelo seja aplicado facilmente em outro país. Mas o que se acredita é que em um país tem de haver ordem, disciplina e segurança.
É muito difícil não dar condições para a estabilidade política e econômica. Aqui há disciplina e eficiência. Tudo isso foi obtido porque em um momento, quando o país vivia uma situação grave, tomamos medidas drásticas.
Somos criticados por termos fechado o Congresso e reformado o Judiciário. Mas essas instituições eram democráticas? Por que não defenderam a democracia?
Agora podemos falar de uma autêntica democracia. É que, além desse aspecto substancial da democracia, que é a decisão popular, há também a democratização do bem-estar. Por que vamos falar simplesmente da democracia no voto, que é importante também? Por que não falar da democracia na educação? Por que as crianças pobres não podem ir a uma escola decente? Estamos democratizando a educação, os serviços básicos.
Folha - Qual o conceito do sr. sobre democracia?
Fujimori - Não há que se fechar o conceito de democracia a uma democracia para uma pequena elite. Isso era o problema de fundo que viviam o Peru e muitos países da América Latina. Eu não concebo como democracia um cidadão que não tem acesso à educação, à saúde, aos serviços básicos.
Só porque vota esse cidadão está participando do processo democrático? Isso é um contra-senso para a democracia. A democracia tem de dar oportunidade a todos.
Folha - Nas últimas eleições, os partidos tradicionais praticamente desapareceram no Peru. O sr. despreza os partidos?
Fujimori - A democracia no Peru fez com que os partidos políticos perdessem presença. Havia fragilidade nos partidos porque a população perguntava: que coisas têm feito esses partidos? Em que nos ajudaram? Nos levaram à pior crise, ao colapso. A administração agora é sem partidos políticos.
Folha - Seu modelo de governar nega um dos princípios da democracia, que são os partidos.
Fujimori - Para mim, o princípio da democracia é a decisão da vontade popular. O princípio da democracia não são os partidos políticos. Aqui no Peru não havia democracia. Havia uma formalidade da democracia e podia se dizer ao mundo: isso é democracia. Para mim, não era democracia. O que eu fiz foi resgatá-la.
Folha - Do ponto de vista econômico, com quais planos implantados em outros países tem semelhança o modelo da atual economia peruana?
Fujimori - Temos relação com a Argentina, que possui uma economia aberta. Temos semelhanças também com o Chile. Somos a economia mais aberta da América Latina. Todos buscam competitividade, atração de investimentos estrangeiros, estabilidade, crescimento. Somos em realidade modelos ortodoxos.
Folha - Como é que os países em desenvolvimento, em especial os da América Latina, têm de se desenvolver dentro de uma economia globalizada, sem gerar problemas como recessão, desemprego e desequilíbrio da balança comercial?
Fujimori - Há riscos, como vimos no México, quando os capitais subitamente fugiram. As preocupações que tomamos no Peru são que não se deve aceitar excesso de capital especulativo. Não negamos que venham capitais de forma temporária, mas a proporção deles deve ser menor.
Folha - Quais os planos do Peru em relação ao Mercosul?
Fujimori - Penso que primeiro tempos que considerar o Grupo Andino. Temos dificuldades. Estamos trabalhando para ter uma política macroeconômica, em especial com o exterior. Esperamos ter êxito. Mas também esperamos ter uma conexão com o Mercosul. Não creio que demore muito para que o Grupo Andino ou o Peru se encaixem no Mercosul.
Folha - Críticos do sr. dizem que seu estilo centralizador impede que surjam lideranças que possam sucedê-lo. Quem o sr. prepara para sucedê-lo?
Fujimori - Tenho ainda cinco anos pela frente e não necessito de sucessor agora. Eles vão se formando. O meu projeto político está na mente das pessoas.
Desde os níveis mais altos, os ministros, os congressistas. Não é um projeto político que só eu conheço. Isso está institucionalizado no Peru.

O jornalista EMANUEL NERI viajou a convite do governo peruano

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