São Paulo, domingo, 29 de outubro de 1995
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Denúncia de abusos marca vitórias econômica e militar

EMANUEL NERI
DO ENVIADO ESPECIAL

O presidente do Peru, Alberto Fujimori, 57, livrou seu país de dois de seus principais males -uma inflação que chegou a 7.649% em 1990 e um terrorismo que causou 26.720 mortos. Mas isso foi feito com um custo elevado para a democracia.
Após cinco anos de governo, Fujimori mergulhou seu país em uma das experiências mais autoritárias da atual história política da América Latina. No Peru de hoje, há denúncias de violações dos direitos humanos, com torturas e mortes de opositores do governo.
Fujimori diz que é democrata. Mas sua democracia se limita ao processo eleitoral. Fechou o Congresso em 92 e aprovou uma nova Constituição, com o apoio dos peruanos. Em abril passado, reelegeu-se presidente com 65% dos votos. Governa sem partidos.
A popularidade de Fujimori se deve aos êxitos obtidos na área econômica e militar. A inflação este deverá ficar em torno de 11%.
A inflação caiu sem que o crescimento econômico despencasse junto. No ano passado, a economia do Peru cresceu 12,9% -foi um dos maiores crescimentos em todo o mundo.
Os investimentos externos também cresceram. No ano passado, o capital estrangeiro que entrou no país chegou a US$ 6,3 bilhões. É quase o dobro dos US$ 3,8 bilhões do início da era Fujimori.
O sol, moeda peruana, está valorizado -um dólar vale 2,20 soles. Mas para evitar a volta da inflação o presidente foi obrigado a pisar este ano no freio da economia. O Produto Interno Bruto, de US$ 33,5 bilhões, deverá crescer pouco mais de 7%.
Foi o suficiente para que a taxa de desemprego chegasse a 10%. Para enfrentar o problema, o governo estimulou a economia informal. As ruas de Lima são um verdadeiro supermercado ambulante -vende-se de tudo, de papel higiênico a enlatados.
Nada disso abala a popularidade de Fujimori. Pesquisa divulgada recentemente por jornais de Lima dizem que, se a eleição fosse hoje, ele seria reeleito com 75% dos votos dos peruanos.
O desmantelamento dos grupos terroristas contribui para essa popularidade. Desde 1980, o Peru vinha sendo castigado por ações do Sendero Luminoso e do Movimento Revolucionário Tupac Amaru.
Entre 1980 e 1994, quando a derrota do terrorismo ficou evidente, houve quase 23 mil atentados em todo o país. Além das 26 mil mortes, há 50 mil órfãos e milhares de feridos.
A popularidade de Fujimori tem um terceiro ingrediente -uma forte dosagem de populismo e demagogia. Na semana passada, a Folha o acompanhou em visita a Ayacucho, 600 km a sudeste de Lima e berço do Sendero. O presidente fez marketing o tempo todo.
Ayacucho fica na cordilheira dos Andes, a quase 4.000 metros de altitude. Apesar de se sentir mal com altura, Fujimori demonstra uma disposição impressionante. Perto dele há sempre uma bomba de oxigênio.
Em Colca, outro pequeno povoado de Ayacucho, o presidente foi engraçado. Frederico Muñoz, 42, morador local, faz um pedido ao seu ouvido. Encerrada a conversa, Fujimori ordena: "Comandante, uma antena parabólica para o povo de Colca".
O comandante chama-se Rafael de La Puente, espécie de guarda-costas de Fujimori. La Puente tira um papel do bolso e anota a ordem. Feliz, o morador agradece, em voz alta: "Viva o maior presidente da história do Peru".
Para reforçar sua popularidade, Fujimori chega a fazer até quatro viagens semanais ao interior do país. Em Ayacucho, sem maior esquema de segurança, foi a um presídio onde havia 300 presos, 60 deles senderistas.
Cercado por familiares de presos, que o aplaudiam, Fujimori dirigiu-se a uma cela em que viviam 27 acusados de atividades terroristas. Recebeu dos presos um documento denunciando maus-tratos.
Entregou imediatamente o documento a Francis Amar, delegado geral da Cruz Vermelha nas Américas, que o acompanhava. "Não temos nada a esconder. Contamos com sua ajuda para resolver isso", disse. "Ele nos passou a batata quente", respondeu Amar. (Emanuel Neri)

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