São Paulo, domingo, 29 de outubro de 1995
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As armadilhas da nova Lei de Imprensa

LUIZ FERNANDO FURQUIM

Há leis que são como água de um rio que segue por caminhos tortuosos dando a impressão de não saber onde escoar. A nova Lei de Imprensa em tramitação no Congresso nos dá a idéia de que se pode esperar de tudo, por estar envolvida em dúvidas, temores e inquietações. De um lado fala-se em impor pena moral aos meios de comunicação. De outro há os que querem pena mais restritiva, mais dura. E há até quem enverede pelo eterno conflito empresa/Estado, o que torna as coisas ainda mais complicadas.
Anos atrás vivíamos um momento parecido. Aos poucos eram introduzidos na sociedade princípios éticos fortemente consagrados internacionalmente. Nosso país também não poderia ficar fora. Em plena era Vargas, em 1937, publicitários do mundo se reuniram em Genebra para aprovar um código que viria reger a atividade da propaganda.
Em 1957 acontecia no Rio o 1º Congresso Brasileiro de Propaganda com muitas moções, intenções e esforços para se dar forma a uma espécie de cartilha do setor. Em 1978, em São Paulo, era aprovado o Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária.
Curiosamente parece que tudo acontecia a cada 20 anos. Vivíamos em pleno regime militar, havia névoas na paisagem, mas, mesmo assim, dava para perceber a força consumista no mundo inteiro de um lado e, de outro, os movimentos em defesa do consumidor, vez ou outra desassistido. Antecipávamos assim mecanismos de proteção ao consumidor que fatalmente viriam. Era apenas questão de tempo.
Do ponto de vista ético e mercadológico a auto-regulamentação publicitária trouxe resultados positivos. Responsável pela maior fatia da receita de um veículo de comunicação, a publicidade pode ser criativa, interessante e genial, mas acima de tudo tem de mostrar credibilidade.
Primeira organização não-governamental neste país, o Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) hoje é referência para a adoção de condutas de setores importantes no meio empresarial (PNBE) e seus setores específicos (Abia, Abrinq e Associação Brasileira de Medicina de Grupo, entre outros), que procuram a entidade em uma tentativa de resolver seus problemas e para que haja um mínimo de disciplina em suas atividades comerciais.
No seminário organizado pela Folha em momento dos mais oportunos o embaixador Sérgio Amaral, porta-voz presidencial, fez coro à louvação ao Conar ao observar que, para sair do impasse, os problemas com a Lei de Imprensa poderiam ser resolvidos em um organismo como o que os publicitários têm.
Há uma certa lógica em sua sugestão se considerarmos que na atividade publicitária há a relação entre quem paga a conta (anunciante), quem opera (publicitário), quem canaliza (veículo) e nada mais. Com relação à imprensa é tudo isso mais um componente dos mais importantes que é o direito de expressão. E para que haja o livre direito de alguém se expressar é preciso que haja democracia.
Garantir o direito de imprensa implica em que haja independência e combate a qualquer ameaça à liberdade. E isso significa acabar com as penas de reclusão que ainda rondam a atividade, embora se saiba que juiz algum tenha mandado jornalista para a cadeia.
Só que a simples condenação de um profissional implica em perda de sua primariedade, o que quer dizer que uma prosaica batida de trânsito poderá levá-lo, aí sim, para trás das grades.
Uma das propostas polêmicas do relator da matéria, deputado Pinheiro Landim (PMDB-CE), é a que fixa as multas para empresas jornalísticas por crimes de imprensa, multas que vão de R$ 10 a R$ 100 mil. Os jornalistas entendem que não serão eles os devedores dessa multa uma vez que esses profissionais apenas cumpriram uma pauta, não tendo portanto o poder de decisão sobre o produto final.
Como deve ser a nova Lei de Imprensa no entender de representantes de empresas e profissionais de imprensa? Mais ampla ou mais enxuta? Há até quem se aventure pela discussão sobre o limite da ingerência do Estado na atividade jornalística. Para o governo, a imprensa distorce e cria armadilhas, e para a imprensa, o governo tenta esconder a informação. Quem dará a palavra final?
Há quem acredite que o simples exercício do direito de resposta possa resolver tudo. Direito de resposta na íntegra, ocupando o mesmo espaço da primeira acusação, nos mesmos moldes, inclusive na primeira página. Só que o direito de resposta é decisão até agora da Justiça e sua morosidade conhecida.
Quando ela chega o estrago já atingiu dimensões trágicas. Além disso, é preciso ter certa influência nos meandros da Justiça para que se consiga benefício desse calibre. É certo que alguns procuram se desculpar dos erros, atribuindo-os à pressa com que são feitos os jornais. Mas pressa é também uma exigência dos prontos-socorros na tentativa de se salvar vidas e não desculpas para a morte do paciente. Sem bisturi, mas com um título e algumas linhas, a imprensa tem cortado fundo e causado a morte moral de alguns inocentes feitos réus a toque de teclado.
Como se pode observar, liberdade de imprensa não é um debate a ser feito unicamente por especialista na matéria, mas por toda a sociedade. O debate sobre a nova Lei de Imprensa -que breve deverá ser votada simbolicamente na Câmara e depois enviada ao Senado- requer estudo mais amplo. Por envolver cada um de nós o debate poderia ganhar as ruas, como acontece quando se discute algo que diz respeito à nação.
Todos sairão ganhando com a discussão. O rio que sabe que corre com fúria também sabe para aonde vai.

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