São Paulo, domingo, 29 de outubro de 1995
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Consumo sustentável

FABIO FELDMANN; MARCELO GOMES SODRÉ

Ao lado das ações do movimento ecológico está nascendo um novo ator: o consumidor responsável
FABIO FELDMANN e MARCELO GOMES SODRÉ
A natureza é finita. Finitude indica, antes de tudo, a existência de um começo. Este nosso mundo tem um início datado: seja o Gênese, seja o "big bang", o pano de fundo da ciência e da religião é a existência de uma data primeira. Essa constatação nos remete ao problema atual: o que o tema da finitude nos coloca neste mundo contemporâneo é a possibilidade do fim último, do esgotamento, da não-reprodução da vida.
Diz a história passada que tudo que o rei Midas tocava virava ouro. A história contemporânea está a dizer que o custo social dessa transformação precisa ser repensado. Tomar indiscriminadamente os bens da natureza, transformá-los em produtos consumíveis e devolvê-los irresponsavelmente ao nosso hábitat na forma de lixo, isso está por exigir a colocação da discussão do esgotamento da natureza e a necessidade de ações que visem buscar novos rumos de desenvolvimento.
Não apenas a idéia da conservação "in loco" da natureza, mas a demonstração de que é possível agir no nosso dia-a-dia. Conciliar desenvolvimento com desenvolvimento sustentável e mais do que isso: casar desenvolvimento sustentável com consumo sustentável. E o que eu, habitante de zonas urbanas já degradadas, tenho a ver com isso? Tudo.
O Brasil nasceu em berço esplêndido, diz o nosso hino. "O Brasil é um país de recursos infinitos", "Aqui tudo que se planta dá". Desde crianças fomos embalados por nossa infinitude natural e é normal não nos perguntarmos a respeito do esgotamento, dos limites e de nossas responsabilidades. Quando trazemos à discussão o tema do consumo sustentável é porque acreditamos que se abre uma nova forma de luta contra o desenvolvimento irresponsável. Ao lado das manifestações do movimento ecológico cremos que está nascendo um novo ator: o consumidor responsável.
Ser ecologicamente seletivo nas compras, adquirir produtos de empresas que tenham processos de gerência ambiental sérios, diminuir a produção de lixo por meio do incentivo a processos produtivos mais racionais, valorizar a reutilização e reciclagem de produtos; eis algumas das atividades cotidianas que podemos exercer no nosso dia-a-dia.
Pensando em tudo isso a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo está lançando o programa Consumidor-Meio Ambiente. Trata-se de cumprir o deliberado na Eco-Rio 1992, o documento chamado Agenda 21 que, em seu capítulo 4º, afirma: "O recente surgimento, em muitos países, de um público consumidor mais consciente do ponto de vista ecológico, associado a um maior interesse, por parte de algumas indústrias, em fornecer bens de consumo mais saudáveis ambientalmente, constitui acontecimento significativo que deve ser estimulado".
"Os governos e as organizações internacionais, juntamente com o setor privado, devem desenvolver critérios e metodologias de avaliação dos impactos sobre o meio ambiente e das exigências de recursos durante a totalidade dos processos e ao longo de todo o ciclo de vida dos produtos. Os resultados de tal avaliação devem ser transformados em indicadores claros para informação dos consumidores e das pessoas em posição de tomar decisões".
Tudo isso significa que estamos diante de um retorno primitivo à natureza em oposição ao atual estágio de desenvolvimento? Não. A proposta agora que se esboça é de compatibilizar desenvolvimento e defesa do meio ambiente, mesmo porque um dos fatores de degradação do meio ambiente é a pobreza e a idéia de um consumo sustentável passa necessariamente pelo acesso da população ao próprio consumo de bens e serviços essenciais.
Aliás, a CI (Consumers International) não cansa de lembrar que a própria ONU estabeleceu como primeiro direito dos consumidores o direito de acesso ao consumo. Mas não dentro de um modelo já saturado. Desenvolvimento sustentável, acesso aos bens e serviços a todos, consumo sustentável: esses conceitos devem andar juntos.
A discussão internacional aponta para esse sentido. Discute-se mundialmente a edição de normas técnicas -série ISO 14.000- que nortearão as atividades econômicas das empresas no tocante à gestão ambiental de seus processos e produtos finais. Até o início de 1996 tais normas já serão uma realidade. E o consumidor está efetivamente preparado para exercer o papel de pressão social que a ele cabe? Entendemos que, de forma genérica, ainda não.
Valorizar os produtos que menos firam o meio ambiente, demonstrando a importância do chamado selo verde; verificar a seriedade das informações das rotulagens dos produtos; fazer pesquisas para determinar o ciclo de vida dos produtos visando orientar os consumidores no momento da compra; incentivar a utilização de produtos reciclados, inclusive com incentivos tributários; banir os processos e produtos perigosos à segurança dos consumidores: essas atividades, entre outras, devem ser feitas para trazer à opinião pública a força do consumidor na defesa do meio ambiente.
"Mudar padrões de consumo", esse é o título do capítulo 4º da Agenda 21 e o objetivo do programa Consumidor-Meio Ambiente. Em resumo: é preciso, pois, buscar formas de orientar o consumidor para que, coletiva ou individualmente, perceba seu poder na preservação do meio ambiente de maneira a ser possível a preservação da vida presente e das gerações futuras. A solidariedade social, sim, deve ser infinita.

FABIO FELDMANN, 40, é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, deputado federal licenciado pelo PSDB-SP e presidente da Abema (Associação Brasileira de Entidades de Meio Ambiente).

MARCELO GOMES SODRÉ, 38, é coordenador do programa Consumidor-Meio Ambiente da Secretaria do Meio Ambiente, secretário do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon) e professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

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