São Paulo, domingo, 29 de outubro de 1995
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não é de se jogar fora

CRISTINA ZAHAR

Há três meses, a Rhodia entrou no mercado de reciclagem de garrafas de refrigerante, chamadas PET (polietilenoterstalato, um tipo de poliéster). Criou a Recipet, com fábrica em Indaiatuba (a 110 km de São Paulo). Tem capacidade para reciclar 700 toneladas desse tipo de embalagem por mês.
A Fibrasca, de Joinville (SC), recicla poliéster e sucatas industriais há 26 anos. Há dez utiliza as garrafas PET na produção de cordas, fios, linhas e fibras -estas usadas como enchimento para bichos de pelúcia, travesseiros, colchonetes e edredons. A quantidade média de PET reciclada por mês é de 150 toneladas.

Preconceito
"As pessoas ainda têm preconceito em relação a produtos reciclados. Mas isso deve mudar em dez anos", acredita Thomas Siebje, gerente-geral da Fibrasca. Ele diz que o custo da reciclagem é alto e aproveita para defender "subsídios ou vantagens tributárias de incentivo às indústrias que reciclam".
Com um olho no marketing verde e outro nas vendas, a grife jovem M.Officer está importando para o Brasil o jeans "soda pop", fabricado pela empresa inglesa Swift Textiles e que traz em sua composição 80% de algodão e 20% de fios de plástico. Por enquanto, o preço dessa calça (R$ 66) é quase o mesmo de um jeans da nova coleção de verão (R$ 75). Isso pode afastar os consumidores, já que produto reciclado deveria ser mais barato que um novo.
O filme publicitário mostra dois modelos em um cenário de fábrica, de onde sai pelo vidro uma escultura de sucata de 2,5 toneladas. "Ele é um catador de lixo que, quando entra no ateliê para trabalhar na escultura, vira mulher. É uma simbologia para falarmos da questão ambiental", explica Carlos Miele, diretor da M.Officer.
A arte havia se imiscuído na reciclagem muito antes das preocupações ecológicas. Nos anos 50, a arte pop já trabalhava com sucata.
Há 15 anos, o artista plástico Fernando Limberger faz esculturas e instalações usando madeira e metal encontrados nas ruas de São Paulo. Ele faz a separação de seu próprio lixo. "O efeito da minha obra é intencional. Quero que as pessoas se toquem de que o lixo que elas jogam fora pode se transformar em coisas."

Mercado sazonal
É claro que a reciclagem é uma solução, mas não para todo o lixo. Primeiro porque nem tudo o que é jogado fora pode ser reciclado. E, o que pode, às vezes o mercado não absorve. É o caso, por exemplo, do plástico neste momento.
José Amado, presidente da Copamare (Cooperativa dos Catadores de Papel e Material Recicláveis), afirma que o preço da sucata caiu cerca de 50% desde o início do ano. "O plástico está parado hoje. É um mercado muito exigente. Os plásticos têm que ser limpos e separados por tipo, antes de serem moídos. Estávamos vendendo sucata de plástico, mas nem isso a indústria está pegando. Não catamos mais garrafas PET. A tonelada de plástico custava R$ 80, hoje ninguém quer nem de graça.
Essa sazonalidade do mercado faz com que se pense em solução integrada para o problema do lixo. "Qualquer tratamento de lixo só faz sentido se for pensado em gestão integrada", diz Fernando Luiz Prandini, coordenador do programa ambiental do Instituto de Pesquisas Tecnológicas da USP.
Trocando em miúdos, é preciso dar vários destinos ao lixo. Aterros sanitários (diferem dos lixões por receber tratamento para drenar líquidos e evitar bichos), compostagem (transformação do lixo orgânico em adubo), reciclagem e incineração são os métodos mais usados.

Macroprojeto
A Prefeitura de São Paulo tem um projeto, batizado de macrorreciclagem, que deve estar operando dentro de dois anos. O empreendimento, orçado em US$ 600 milhões, seria gerido pela iniciativa privada, segundo o secretário do Verde e do Meio Ambiente, Werner Zulauf. O plano inclui a instalação de três incineradores e de uma nova usina de compostagem.
"O cidadão fará em casa a separação do lixo seco do molhado. O que tiver mercado será reciclado, o restante, incinerado. O objetivo é aliviar o volume de lixo nos aterros e ainda gerar energia", diz Zulauf.
Adriano Diogo, deputado estadual (PT-SP), é contra a instalação dos incineradores, alegando que eles liberam gases causadores de câncer. "A reciclagem e a compostagem devem ser propostas junto com uma política para que as indústrias cuidem de seus resíduos", sugere. Zulauf diz que os atuais queimadores (existem dois na cidade que serão desativados) realmente são poluentes, o que não ocorrerá com os novos, conforme ele.

Aterros lotados
Há apenas dois aterros sanitários em operação na cidade de São Paulo: o Bandeirantes, na rodovia Bandeirantes, e o São João, no km 33 da estrada de Sapopemba. Ambos têm vida útil prevista entre quatro e cinco anos. São despejados mensalmente no São João 117 mil toneladas de lixo. O Bandeirantes recebe 200 mil toneladas/mês. Antes do fechamento desses aterros, São Paulo terá de encarar de frente a reciclagem.
A Brahma tem projetos na área. No Rio, implantou em Niterói um projeto pioneiro de reciclagem no Centro Comunitário São Francisco, que faz coleta seletiva há 12 anos.
Em parceria com a Petrobrás e a organização não-governamental Cruzada do Menor, a empresa colocou nos postos de gasolina menores carentes que recolhem latas de alumínio e explicam aos motoristas o que é reciclagem. Também instalou postos de coleta para recolher suas próprias embalagens de vidro e alumínio, visando a reciclagem.

Embalagens
A Gessy Lever tem 95% de suas embalagens recicláveis. A indústria não as reaproveita, mas orienta o consumidor sobre sua destinação.
Brahma, Gessy e outras dez empresas integram o Cempre, fundado em março de 1992 para desenvolver o mercado nacional da reciclagem. O Brasil recicla hoje mais de 50% das latas de alumínio, 30% do papel, 15% dos plásticos e 27% dos vidros (contando refugos industriais).
Christopher Wells, diretor-executivo do Cempre, diz que a idéia surgiu porque o consumidor exige das indústrias um compromisso em relação à embalagem e ao meio ambiente. A entidade acaba de ganhar o prêmio Top de Ecologia, promovido pela Associação dos Dirigentes de Venda do Brasil, por seu trabalho de orientação junto aos catadores de sucata.

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