São Paulo, segunda-feira, 30 de outubro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Políticos falham ao governar megacidades, diz especialista

KENNEDY ALENCAR
DA REPORTAGEM LOCAL

O advogado norte-americano Barry Weisberg, especialista em segurança pública, afirma que as nações e os políticos, usando meios tradicionais de administração pública, falharam ao governar as áreas metropolitanas.
Segundo ele, as megacidades, formadas nos últimos 50 anos, são uma nova forma de organização humana jamais vista na história. O mundo terá 21 metrópoles com mais de 10 milhões de habitantes até o ano 2000.
Diretor do "Projeto de Segurança nas Megacidades", financiado pela ONU (Organização das Nações Unidas), Weisberg afirma que os conceitos de segurança pública devem ser revistos: "A polícia muitas vezes é o problema."
Weisberg está no Brasil para participar do seminário "Globalização (Des)Ordem Internacional Emergente e Megacidades, que começa hoje no Parlamento Latino-Americano, em São Paulo. Seguem os principais trechos de sua entrevista:

Folha - O que são megacidades?
Barry Weisberg - São uma nova forma de organização humana jamais vista na história. A definição é uma área metropolitana com dezenas de cidades e 10 milhões de habitantes ou mais.
As megacidades têm problemas que não podem mais ser resolvidos pelas visões tradicionais de administração pública. Los Angeles, por exemplo, deverá ter 13 milhões de habitantes no ano 2000. Nas escolas, são faladas 83 línguas diferentes. Há guetos e bairros com quase todas as nacionalidades do mundo.
Não existe concepção de administração pública que dê conta de resolver os problemas de um aglomerado de cidades tão distintas vivendo tão proximamente.
Os problemas não começam apenas em uma cidade e não podem ser resolvidos somente em uma cidade. A concepção de segurança pública usada em todas as megacidades foi elaborada há cem anos, quando havia apenas uma metrópole no mundo: Londres.
Folha - Quais as outras características que diferenciam uma cidade de uma megacidade?
Weisberg - Cidades tradicionais têm uma identidade comum, um metabolismo urbano estável, uma administração pública coerente, pouca diversidade étnica-cultural e uma mesma língua. As megacidades não tem nada disso.
Folha - Quais os principais problemas que as pessoas deverão enfrentar no futuro nessas megacidades?
Weisberg - Até o ano 2000, deveremos ter 21 megacidades. Serão 50 no ano 2020. Pela primeira vez na história, haverá mais gente em áreas urbanas do que rurais.
Em termos de problemas, o futuro já é hoje. Mais da metade das pessoas nas megacidades vive em completa miséria. Sem água potável, energia elétrica. Por exemplo, em Shangai, com 12 milhões de residências, há 3 milhões de pessoas sem casa. Em todas as megacidades, existem guetos, favelas ou qualquer que seja a palavra para designar áreas de extrema pobreza.
Nessas condições, sem emprego, sem moradias, sem segurança, as pessoas entrarão em conflitos violentíssimos. Já ocorrem guerras civis envolvendo gangues internacionais competindo pelo mercado de drogas, por exemplo.
A maioria dos filmes que Hollywood produz sobre o pesadelo do futuro nas cidades é realidade. As nações falharam no gerenciamento das megacidades.
Folha - Qual a razão desse fracasso?
Weisberg - As raízes desse fracasso estão num longo período de globalização econômica e cultural, que começou no século 15 com as descobertas e viagens dos europeus pelo mundo.
Essa globalização moldou as cidades que temos hoje. A expansão européia, por exemplo, criou os maiores portos no hemisfério sul, como Cingapura, Bombaim e Rio de Janeiro. Essas megacidades cresceram num contexto de colonialismo e não de independência. Ao mesmo tempo, Nova York e Londres cresceram por causa da riqueza que extraíram das colônias.
Esse processo de globalização tem dois lados. Um é o da marginalização de pessoas, cidades e culturas. O outro é um processo que chamo de "localização". Em reação à globalização, pessoas resistem tentando criar formas de poder e de controle locais em sua vizinhança, cidades e países.
O conflito entre globalização e localização é a base da desordem no mundo hoje. Há forças, nas megacidades, que atraem as pessoas e outras que expelem pessoas.
Na China, 300 milhões de camponeses estão se movendo atualmente para as cidades à beira-mar do país. É o maior movimento de migração na história do mundo. As consequências disso são catastróficas. O governo chinês estima que vai precisar de 180 mil novos postos de trabalho urbano em cinco anos. É impossível.
Folha - Qual é a solução?
Weisberg - Reverter o processo de desigualdade social e de devastação ambiental dos últimos 50 anos. É preciso pensar um novo modelo de desenvolvimento sustentado e igualitário baseado na segurança humana e não na segurança nacional.
Dentro disso, é fundamental repensar a segurança urbana. Precisamos abandonar a idéia de construir presídios, aumentar o número de policiais e usar os meios tradicionais de justiça. Este caminho está errado porque obriga a se gastar um volume enorme de dinheiro que deveria ser aplicado em escolas, moradias e assistência às famílias.
Folha - Como o sr. analisa o papel da polícia dentro desse processo de segurança urbana?
Weisberg - A polícia está sobrecarregada de trabalho e não tem competência para resolver problemas. Ela é parte do problema, pois tem um histórico de excesso de violência e de discriminação de minorias. Em Los Angeles, por exemplo, o julgamento de O. J. Simpson mostrou policiais que falavam abertamente em matar negros e falsificar provas.
Folha - Como eliminar a violência?
Weisberg - A violência não é uma doença que pode ser erradicada. É um reflexo de como o poder político é exercido. Desse modo, não será a polícia nem as autoridades públicas por si mesmas que resolverão o problema. Quem tem poder político quer mantê-lo criando mais violência.
É preciso reavaliar as estratégias de planejamento urbano, de prevenção criminal e de punição judicial tradicionalmente usadas.
Folha - O que é o "Projeto de Segurança nas Megacidades"?
Weisberg - É um projeto que estou elaborando, com o suporte dos organismos da ONU. Em cinco anos, o projeto vai criar novos profissionais e nova tecnologia de segurança pública para 21 megacidades. Deverão ser treinados e contratados na áreas metropolitanas um coordenador de prevenção criminal e um coordenador de prevenção de violência juvenil.
Depois, pretendemos reduzir em 30% os casos de violência urbana no prazo de 10 anos. Esse projeto envolverá entidades não-governamentais, empresários e todas as esferas de poder.
Folha - Qual o perfil desses coordenadores?
Weisberg - Será uma nova profissão. Queremos uma pessoa que tenha conhecimento da cidade, que possua uma formação profissional multidisciplinar, que esteja identificada com a tradição de justiça social e de defesa dos direitos humanos e que entenda a diversidade cultural, étnica e religiosa.

LEIA MAIS
Sobre o seminário de megacidades à pág. 3-3

Texto Anterior: Santíssima Trindade
Próximo Texto: Violação de direitos traz OEA ao Brasil
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.