São Paulo, segunda-feira, 30 de outubro de 1995
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Brasil vive em estado de pobreza porque quer

MARCELO PAIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Fiquei meio embaraçado com o discurso do nosso homem, o presidente Fernando Henrique Cardoso, nas comemorações dos 50 anos da ONU.
Sei lá, ele chega lá, em Nova York, naquela festa cheia de bacanas e pompa, com representantes de todas as nações, jantares de gala, e fica falando que os países ricos deixam os países pobres "no abandono e na pobreza", e fica cobrando que "falta ação?"
É como se o centroavante, em vez de entortar os zagueiros, ficasse reclamando que a torcida não o aplaude suficientemente.
As soluções para os problemas da pobreza brasileira não estão na ONU, mas aqui mesmo. Este país é rico que dói; está entre as dez maiores economias do mundo. É auto-suficiente em quase tudo. Dos anos 60 para cá, o PIB cresceu vertiginosamente, a indústria e a agricultura se modernizaram, mas deu no que deu.
Um bastião de pobreza interminável, uma violência desmedida, terras nas mãos de poucos, riqueza nos bolsos de poucos e dinheiro público vazando pelas quadrilhas instaladas nos quatro cantos, de manipulações no orçamento federal às gangues do INSS, de obras superfaturadas às fraudes na merenda escolar, de subsídios aos produtores rurais aos milhares de hospitais inacabados, de salários dos diretores de estatais aos mala-preta de empreiteiras "buscando o melhor para o país".
Às vezes, olhando da minha janela, penso em como seria o Brasil se não houvesse corruptos e corruptores, se o dinheiro extra dessas obras tivesse sido gasto em casas populares, se a fortuna arrecadada pelo INSS tivesse sido aplicada no ISS, e se o dinheiro dos projetos mirabolantes do regime militar (usinas atômicas, Transamazônica, Perimetral Norte, Ferrovia do Aço, construção de subsônicos, submarinos nucleares, mísseis balísticos e carros de combate) tivesse sido investido em algo mais proveitoso.
A ONU não tem nada a ver com nosso abandono e pobreza. É inadmissível que o Brasil tenha crescido tanto e não tenha distribuído os ganhos, mas aumentado a distância entre ricos e pobres. Somos reféns de um Estado inalterado de concentração de renda. Somos reféns de um Estado a serviço de poucos.
Como é possível sermos o quarto país que mais visita Miami e o 89º em mortalidade infantil? E se você continuar achando que essas são as palavras de um comunista ou petista ou o raio que seja, continuamos não chegando em lugar algum, tá ligado?

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