São Paulo, quarta-feira, 1 de novembro de 1995 |
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Makhmalbaf bota cultura do Irã no espelho
INÁCIO ARAUJO
Entre os 17 e 22 anos, passou quatro anos e meio preso. Ao sair, com a revolução que derrubou o Xá em 1979, trocou a política pelo cinema. Tornou-se um dos principais cineastas de seu país. Amanhã, Makhmalbaf terá exibido, "Salve o Cinema", seu filme mais recente. Nesta entrevista à Folha, ele fala de sua trajetória, de seu país e de seu cinema. Folha - Como o sr. vê a evolução de seus filmes? Mohsen Makhmalbaf - Eles têm três estilos. Os três primeiros eu chamo filmes de aprendizado. Depois, há uma fase de filmes sociais. E há os filmes mais recentes, os filmes de "troca de luga"r. Folha - É o caso de "Salve o Cinema"? Makhmalbaf - Sim. Ou "Tempo de Amor". Em "Salve o Cinema", chamo pessoas comuns para escolher os atores do filme. Em determinado momento, troco de lugar com duas garotas. Eu digo: "Sentem no meu lugar e dirijam exatamente como eu fiz". No mesmo instante, elas assumem uma atitude autoritária. Tento dizer com isso que há muitos problemas na cultura iraniana. A troca de lugares é como botar um espelho diante do espectador. Folha - O diretor de cinema é cruel como no filme? Makhmalbaf - Não. Há ali dois Makhmalbaf. O que está atrás da câmera é um democrata. O que entrevista os atores, é o que tem o poder. Do outro lado da mesa estão o povo e seus problemas. Tento usar esses três níveis: o poder, o povo e o cinema. Quando troco de lugar com as moças, você vê elas mudarem de atitude. Elas dizem: "Chore, chore". Ou seja, elas tomam o poder e fazem do jeito que eu estava fazendo. Este é o meu ponto: os problemas estão na cultura, não na política. Folha - Ou seja, não é preciso fazer chorar para ser ator. Makhmalbaf - Não. Isso é só o símbolo do meu tema. Tanto que uma garota me responde: "Eu não quero chorar. Eu quero ser feliz". E é essa moça que eu escolho. Folha - O sr. defende o realismo. É difícil chegar a ele? Makhmalbaf - Sim. Quando estou no cinema, acredito em muito pouca coisa do que vejo. Porque o lugar, a luz, as pessoas não são reais. O que procuro é a vida em frente à câmera. Não gosto quando colocam a câmera antes de ter as imagens na cabeça. Eu, por exemplo, vivo no sul de Teerã, uma zona de pessoas muito pobres. Eu gosto delas, quero que suas vidas mudem, e para isso é preciso que vejam a realidade refletida nos filmes. Daí a idéia de usar o cinema como um espelho. Folha - Em "Salve o Cinema", o sr. parece dizer que o paraíso não existe. É isso? Makhmalbaf - Não. O paraíso é possível. Mas para chegar a é preciso conhecer a si mesmo. Folha - Também se diz que o sr. foi bastante próximo dos fundamentalistas. Isso é verdade? Folha - Nunca foi próximo do governo, e sim da revolução. Por quatro anos e meio eu estive na prisão, no tempo do Xá. Ali, fiquei amigo de pessoas que depois se tornaram importantes. Mas deixei a política. Porque se pode mudar o governo, mas o essencial é mudar as idéias. Folha - O sr. enfrenta problemas com a censura no Irã? Makhmalbaf - Dois dos meus filmes ainda estão proibidos: "Tempo de Amor, que rodei na Turquia, e "A Noite do Rio Sayandeh", de 1989. Então, não é que eu fui próximo do governo. O governo, ou pelo menos a censura, é que agora está contra mim. Folha - Em "Close-Up, de Abbas Kiarostami, o sr. diz a alguém uma frase curiosa: "Eu estou cansado de ser Makhmalbaf". O que significa? Makhmalbaf - Eu tinha muitos problemas. Sou muito conhecido no Irã. Lá, três milhões de pessoas vêem meus filmes, lêem meus livros etc. E como gosto das pessoas pobres, elas me procuram, pedem ajuda, tudo. Também havia os problemas com a censura. E no Irã eu não tenho tempo para nada. Foi nesse sentido que falei. Às vezes alguém me pergunta: "Como faço para ser um Makhmalbaf?" Eu respondo: "Quero que você me diga como é que eu faço para não ser Makhmalbaf". Folha - O que o sr. vê como o maior problema do Irã, hoje? Makhmalbaf - O povo iraniano é voltado para o passado, não para o futuro. Temos uma cultura de 2.500 anos. São 2.500 problemas históricos em nossa vida. O Brasil tem 500 anos de história. É mais fácil para vocês olhar o futuro. No Irã, muita gente vive no passado. Temos de lhes mostrar o futuro. Folha - Como o sr. passou da política ao cinema? Makhmalbaf - Uma vez fui ao cinema, vi um filme comercial iraniano e decidi ser diretor. Não fiz nenhum curso, nada. Meu avô me emprestou um pouco de dinheiro e aluguei uma câmera. Peguei os atores no povo comum. Quatro meses depois, eu já era diretor. Folha - Como vê o cinema iraniano e seu sucesso mundial? Makhmalbaf - Temos cerca de 320 realizadores. Há os que fazem filmes de propaganda, os que fazem filmes comerciais e só uns 20 que fazem filmes empenhados. Fazemos 70 filmes por ano, mas só cinco com interesse artístico. Há várias razões para o sucesso. Os filmes são simples, têm qualidade, são realistas. Além disso, o filme iraniano é um filme iraniano. Há uma quinta razão: a vida no Irã é muito barata e um filme custa pouco. O meu "Era Uma Vez no Cinema" era uma grande produção, e custou US$ 200 mil. Por fim, o governo bloqueia o filme americano, para dar mais ênfase à nacionalidade. Isso ajuda. Texto Anterior: Curta recria universo metafísico Próximo Texto: 'Underground' resgata nostalgia Índice |
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