São Paulo, quarta-feira, 1 de novembro de 1995
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Ed Wood povoa tela com seus fantasmas

CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR-ADJUNTO DO MAIS!

Depois de ser eleito, numa enquete realizada no fim dos anos 70, o pior cineasta de todos os tempos, Edward Wood Jr. alcançou uma espécie de celebridade às avessas.
Sua história pessoal, recheada de anedotas bizarras, foi transformada em filme pelo cultor de extravagâncias Tim Burton em "Ed Wood". E seu talento (ou falta de, dependendo do ponto de vista) pode ser conferido no recém-lançado "Glen ou Glenda, seu filme de estréia, em 1954.
"Ed Wood" retraça parte da trajetória do cineasta ao longo dos anos 50, fazendo dela uma crônica de fracassos. Depois de malograr na tentativa de dirigir teatro, encontramos Wood obcecado com a possibilidade de repetir os feitos de seu ídolo máximo, Orson Welles, transformando-se num artista total, escrevendo, dirigindo e atuando. A partir de um encontro acidental na porta de uma funerária, um outro perdedor não menos famoso -Bela Lugosi- atravessa o destino de Wood. Como a Norma Desmond de "Sunset Boulevard", Lugosi amarga o esquecimento e Wood tenta restituir seus dias de glória.
Daí por diante suas histórias se entrelaçam e o filme se desenvolve como uma parábola sobre o fracasso e um ataque bem-humorado à vã glória do cinema.
"Ed Wood" é um filme que reconstitui o cinema como fábrica de mitos. Jogado às traças, Lugosi recebe uma outra dimensão, acentuada pela interpretação majestosa de Martin Landau no papel. E Edward Wood Jr. emerge como admirável artífice de sonhos. Não sonhos de Spielberg, mas certamente de Tim Burton.
Um mundo de fantasias e de fantasmas, de onde a autocensura foi banida, é o mundo do Ed Wood de fato. "Glen ou Glenda" ultrapassa toda capacidade de Tim Burton de mostrar suas bizarrices.
Tudo começa com o suicídio de um travesti. Um policial encarregado de investigar a morte consulta um psiquiatra. Este, investido de autoridade, trata de dar veracidade à tragédia e de legitimar os fantasmas do próprio Wood.
Segundo se mostra em "Ed Wood", o diretor era acometido de ataques de transexualismo. Ciente dos poderes de persuasão do cinema, Wood estrutura a narrativa de "Glen ou Glenda" como um tratado de psiquiatria. A moral de sua história é que não há cura para os desvios, apenas se deve deixar de julgá-los moralmente. E todos serão felizes, como Glen, por sinal interpretado pelo próprio Wood.
Esse tipo de raciocínio que se furta à censura, em particular às regras estéticas, é o que se vê em ação em "Glen ou Glenda". Seu sentido de economia obriga-o a constituir uma espécie de cinema impuro. A colagem de materiais por exemplo ultrapassa qualquer bom senso e é uma ameaça ao "bom gostismo".
Mas "Glen ou Glenda" fica muito melhor se não for levado a sério, o que não é difícil. Pena que na cópia em vídeo não conste uma sequência antológica na qual mulheres são acorrentadas e violentadas, sem qualquer vínculo com a trama. Consta que a cena foi imposta pelo produtor e "supervisor pessoal das filmagens" Don Weiss para atrair "tarados".

Filme: Ed Wood
Direção: Tim Burton
Produção: EUA, 1994
Elenco: Johnny Depp, Martin Landau, Sarah-Jessica Parker, Patricia Arquette
Distribuição: Abril Vídeo (tel. 011/837-4500)

Filme: Glen ou Glenda
Direção: Edward Wood Jr.
Produção: EUA, 1954 Elenco: Bela Lugosi, Edward Wood Jr., Dolores Fuller
Distribuição: VTI (tel. 011/283-3438)

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