São Paulo, domingo, 5 de novembro de 1995
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nostalgia em pele de Lobão

ANA BAN

João Luiz Woerdenbag Filho, 38, o Lobão, está de volta. Os cabelos mudaram, os neurônios continuam os mesmos. Não ficou "bonzinho" nem evangélico. A língua ferina pode ser conferida no primeiro CD em quatro anos, "Nostalgia da Modernidade", ou nos shows de lançamento, de quinta, 9, a domingo, 12, na casa paulistana Tom Brasil (tel. 011-820-2326). O baterista e violonista, que teve de encarar a guitarra e aprender a cantar para vencer em carreira solo, busca na MPB as referências e a identidade que o rock esqueceu. E pede desculpas por ter influenciado as "simplórias" misturas atuais de reco-reco e heavy metal.

O que é nostalgia da modernidade?
Eu me irrito com a concepção de modernidade do brasileiro, que transmite uma ansiedade e uma sensação de obsolescência. Você compra um computador e acha que vai estar velho na semana que vem. Todo mundo se acha ultrapassado. Os flash-backs hoje em dia são de três meses atrás. A modernidade produz sofisticação tecnológica e simplificação do comportamento.
Por que tanto tempo sem gravar?
Depois do último disco ("O Inferno é Fogo", 1991), a minha ex-gravadora (BMG) sugeriu que eu fizesse um disco de protesto e rock pesado, que estava dando grana. Fiquei preocupado com a banalização do rock e resolvi não gravar nada parecido. Queria fazer acústico. Fiquei quatro anos sem poder gravar ou falar.
E o que você fez nesse tempo?
Estudei ritmos como chorinho, fiquei curando uma lesão no braço (de um acidente de moto). Quando me senti confortável no violão, comecei a tocar relativamente bem. Fazia o show acústico para viver, até dizerem que eu era romântico-evangélico. O show era um fracasso, às vezes não tinha mais de 15 pessoas. Eu não podia sustentar aquilo, estava morrendo artisticamente.
E daí para o disco?
Tinha que gravar para explicar o que acho da vida. Podem até criticar, mas é um documento concreto. O que não podem é especular sobre uma imagem e não me deixar falar. Estava me sentindo claustrofóbico. Como surgiu a gravadora Virgin? Cheguei a pensar em fazer um disco independente. A Virgin me propôs um disco com autonomia.
Como foi a mixagem do disco em Los Angeles, no estúdio The Chapel?
O estúdio é supermoderno e usa recursos antigos. Tudo funciona à válvula: amplificadores, microfones.
Você ainda devia discos para a BMG?
Devia. Tentei fazer um disco acústico. No fim, só fiz o show, que não teve uma documentação adequada. Por isso, fui muito mal interpretado.
Chamaram você de careta.
Disseram que eu cortei o cabelo porque virei evangélico. A imaginação simplista começou a conjecturar sobre a minha caretice. Porque eu parei de tomar drogas e cortei o cabelo, fiquei "bonzinho".
O show acústico fracassou mesmo?
Falei tanto isso que lotou na última apresentação (10 de junho, em São Paulo). Virou sucesso. Então disseram que o show era maravilhoso, revelador, intimista. Aí, tive que parar para gravar um disco. Agora vou fazer um show grande, periga de a próxima crítica dizer que o show acústico estava muito bom e se passarem mais cinco anos...
Como vai ser esse show grande?
Vai ter uma orquestra com 24 cordas, instrumentos regionais e uma banda. Vou botar as 14 músicas do disco e ainda pinçar uma do Paulinho da Viola e umas quatro minhas desconhecidas. Vou me valer de algumas músicas de sucesso para segurar o inevitável.
Você está cansado dos sucessos?
"Me Chama", "Corações Psicodélicos", "Essa Noite Não" e "Vida, Louca Vida" eu posso tocar quantas vezes quiser. Para cantar "Vida Bandida" e "Rádio Blá" é preciso estar irado. Não estou em clima raivoso.
Você ainda acha que o rock errou?
O que me fez ter ojeriza do rock no final dos anos 80 é que todo mundo usava a mesma roupa, o mesmo cabelo, falava inglês. Por isso eu rejeito a alcunha de roqueiro. Sou músico, popular e brasileiro. Não quero ser ufanista, mas referencial é necessário. Identidade também. Esse disco é uma homenagem à tolerância. Temos que nos abrir para coisas diferentes para poder assumir um elo que o rock cortou com a MPB.
Você diz que nunca pensou em ser cantor. O que você queria ser?
Sou baterista desde os 3 anos. É a única coisa que eu faço bem, fora escrever. Este disco foi o primeiro que eu fiz como compositor e cantor. Eu achava chato cantar, ficava com falta de ar. Ainda não sei cantar direito, mas já sinto o canto como terapia. Antes a bateria era a terapia.
Fale um pouco sobre sua experiência em escrever no jornal carioca "O Dia".
A coluna ("Bobagens no Submundo do Purgatório") sacaneava tudo que era evangélico. Falava sobre política, economia, tudo. Durou um ano e meio, parei em julho. Estou a fim de fazer outra vez, adoro escrever.
Você misturava samba e rock dez anos atrás, hoje todo mundo faz isso. Se influenciei, peço desculpas. Não queria que reco-reco e heavy fossem tão simploriamnete misturados. É preciso conhecer a forma real do rock e do samba para fazer uma mistura interessante. Eu tenho embasamento e fiz de maneira séria e digna.
As bandas nacionais estão fazendo muito sucesso. Você gosta?
É melhor ouvir Skank que Guns'n'Roses. Mas ainda falta muito para chegar a uma qualidade real.
A moda do pop nacional ajuda você?
Não sei. Sou muito livre e não vou moldar a minha carreira em função de eventos mercadológicos. Se for um fracasso e eu gostar, vou estar cagando um balde. Confio na minha intuição. Sei que posso passar cinco anos arquivado, mas acabo sempre me enriquecendo muito com isso.

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