São Paulo, terça-feira, 7 de novembro de 1995
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O programa que mudou o Brasil

LUÍS NASSIF

Ainda não foi escrita a história completa do programa de abertura da economia. A coluna ensaiou uma série, no ano passado, relatando parte desse processo, do início das discussões sobre a "teoria da integração competitiva" (base teórica da abertura) até as etapas finais, no governo Collor.
A série tomava por base depoimentos de pessoas que acompanharam as mudanças do lado do governo.
Do lado privado, um dos interlocutores mais constantes foi Miguel Jorge, jornalista por formação e diretor de Relações com o Mercado da Volkswagen desde aquela época.
Lembra-se ele que, em abril de 1989, fim de governo Sarney, o governo americano tinha feito pressão enorme para acabar com as listas de proibição de importados pelo Brasil -1.500 produtos que compunham o chamado Anexo C, cuja importação estava liminarmente proibida. A indústria automobilística havia conseguido furar em parte esse bloqueio por meio do ACE 14, tratado fechado no âmbito do Mercosul que permitia importações recíprocas de peças e componentes.
Em abril de 89, Miguel Jorge teve longa conversa com Mailson, que lhe mostrou portaria que acabava com a lista de produtos proibidos. Naquele mês, a inflação era brutal e Mailson acabara de fazer o Plano Verão, depois de cinco manchetes dos jornais da época anunciando o congelamento.
Mailson considerava que a abertura econômica poderia ser bem negociada com o FMI, mas por um novo governo. Naquele momento, além da inflação e do desgaste do governo Sarney, havia Collor, Brizola e Lula embolados na disputa pela Presidência da República.
México e Argentina já tinham entrado no Plano Brady, que facilitava a negociação da dívida externa. Ambos haviam negociado pesadamente com FMI e Clube de Paris, trocando a abertura por dinheiro novo.
Abrir naquele momento -segundo Mailson- significaria jogar fora os ganhos políticos dali decorrentes.
Eleito, Fernando Collor recebeu pronta a portaria que acabava com o Anexo C. Bastou a então ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello, assinar. Mas o Brasil abriu sem negociar com ninguém. E era o último grande mercado fechado do mundo.
Desafio maior foi terminar com a reserva de mercado. Segundo Miguel Jorge, ao mencionar as "carroças" fabricadas pelo setor automobilístico, a intenção de Collor era atacar a reserva de mercado da informática, não as montadoras. A declaração correta de Collor teria o seguinte sentido: "O Brasil é um país que ficou atrasado. Veja que absurdo a lei de informática, que impediu a modernização da indústria. Fomos obrigados a conviver com verdadeiras carroças".
Seis meses depois, Collor contou a Miguel Jorge que ele havia sido o único a entender o sentido correto da declaração.

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