São Paulo, terça-feira, 7 de novembro de 1995
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Certo, por linhas tortas

LUÍS PAULO ROSENBERG

Aplausos para a decisão do Ministério da Fazenda criando mecanismos de estímulos à fusão de instituições financeiras. De agora até o final do próximo ano, bancos sadios que adquirirem bancos com um pé na cova vão gozar de benefícios fiscais e linhas favorecidas de financiamento para efetivar a operação. Pode-se apostar que veremos, nos próximos meses, um grande número de incorporações de instituições financeiras fragilizadas aos maiores conglomerados bancários do Brasil.
Como pensar em apoiar tal iniciativa? Não se trata do mesmo governo que vem negando recursos ao dr. Jatene, no seu afã de melhorar a qualidade do atendimento médico aos necessitados? Se não tem para ele, como pode ter para os banqueiros?
Sob o aspecto distributivo imediato, a medida é realmente um desastre: em última análise, recursos do contribuinte serão transferidos para a elite do país, em meio a um quadro desalentador de desemprego crescente. Mas essa é a lógica do capitalismo: se nada fosse feito, continuariam as quebradeiras e as suspeitas da sociedade quanto à saúde de seu sistema financeiro. E sem um sistema bancário sólido a economia simplesmente não opera, não funciona. Trata-se do pulmão do sistema produtivo. Se ocorrer lesão grave, pode chamar o padre para ministrar a extrema-unção.
Garantir a sobrevivência do sistema bancário é a principal função do Banco Central. O Chile teve que gastar cerca de 40% de seu PIB para resgatar seus bancos, na fase de estabilização da economia.
A Argentina vem de completar as exéquias de mais de 50 de seus bancos mais frágeis por meio de mecanismos semelhantes aos que estamos adotando. Até o liberal governo americano compareceu, nos últimos anos, com bilhões de dólares do contribuinte para que seu sistema financeiro sobrevivesse à quebra de inúmeras de suas instituições de poupança.
O pior é que todo o já acontecido em matéria de socorro aos bancos é canção de ninar perto do concerto metaleiro que se prepara no Japão, onde os bancos entubam um pepino de quase R$ 1 trilhão em ativos podres: essa conta vai ser paga por umas três gerações de japoneses.
Não há escapatória. É sempre mais barato pagar para não ter uma crise bancária do que tentar juntar os cacos após o desastre. É cruel, mas verdadeiro: o melhor programa, no momento, para minorar o sofrimento das classes desprotegidas é evitar que a recessão se descontrole, em decorrência da quebra de alguns bancos importantes devido à vulnerabilização do sistema financeiro.
O que precisa ser lembrado quando o governo é levado a fazer uma escolha de Sofia dessas é que ele tem culpa no cartório por chegarmos a este estado de coisas.
É fato que a própria queda da inflação provoca um turbilhão dentro das instituições financeiras, que se acostumaram a cafetinar a disponibilidade de seus clientes, financiando o déficit público, com diferenciais de taxas de fazer babar qualquer agiota da periferia. Um encolhimento estrutural do setor, portanto, seria inevitável. Onde, então, o rabo preso do governo?
Em primeiro lugar, pela forma amadorística com que conduziu o episódio Banco Econômico. Morte anunciada, saques descontrolados das reservas do BC pela diretoria do Econômico e caminhada de parlamentares alienados, culminando com refregas públicas entre o interventor e a diretoria do BC.
É óbvio que, se tivesse sido patrocinada pelo BC, enquanto havia tempo, uma solução de mercado para o Econômico, o custo da operação teria sido muito mais baixo e a crise de confiança que está exigindo as medidas ora em implantação talvez tivesse sido evitada.
Em segundo lugar, o governo está pagando, com o esquema proposto, um pedaço da conta da política de juros suicida que vem praticando.
Realmente, o grau de inadimplência nos bancos está nos seus níveis históricos máximos, porque empresários não conseguem gerar em suas empresas os recursos necessários a honrar a conta imbecil de juros que produz a política deliberada do BC. Colocaram os juros na lua, quebraram o setor agrícola e tiveram que dar subsídios, recentemente, para podermos ter a safra 95/96. Mantiveram a política, quebraram os Estados e estão pagando a conta, por meio da renegociação vantajosa das dívidas deles.
Agora, chegou a vez de os bancos passarem pelo guichê dos ferrados pela política e que não podem quebrar. Como tudo continua como dantes, vai-se inviabilizando o déficit público, pois a conta de juros paga pelo próprio Tesouro torna-se a cada dia mais inadministrável.
Se a política monetária continuar sendo assim tocada, os trabalhadores, os empresários produtivos e as gerações futuras irão pagando a conta desse repeteco melancólico do episódio do aprendiz de feiticeiro.

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