São Paulo, terça-feira, 7 de novembro de 1995
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Rabin

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - Em 93, quando Yitzhak Rabin e Yasser Arafat apertaram as mãos em Washington, o escritor israelense Amos Oz fez um alerta.
"O trabalho dos pacificadores não acaba com a assinatura do tratado", disse. "Os dois lados precisam desarmar as armadilhas emocionais, extirpando estereótipos gerados em muitos anos de medo e ódio."
O assassinato de Rabin, no sábado, demonstra que as minas de passionalismo de que falou Amos Oz não foram desativadas. Parece incrível, mas alguns lunáticos sobreviveram ao início do processo de paz.
Meio século de ódio não foi o bastante para convencer todos os judeus e palestinos de que não lhes resta outro caminho senão o desarmamento dos espíritos.
Bem verdade que o ideal seria que vivessem em cantos opostos da Terra. Mas parece improvável a essa altura que consigam se livrar um do outro. Seria pouco inteligente o desperdício da tentativa de convivência.
Não se espera que declarem amor recíproco. Basta que se suportem. Recorde-se, muito a propósito, outro raciocínio de Amos Oz a respeito da tentativa de pacificação.
"O verdadeiro conflito não é mais entre judeus e árabes, mas entre as pessoas que, nos dois lados, estão olhando para o passado e as que estão olhando para o futuro."
A maioria ainda parece decidida a não permitir que o passado prevaleça sobre o futuro, que o ódio sufoque a boa vontade. Um detalhe facilita as coisas: o gatilho que matou Rabin foi puxado por um judeu.
Há em Israel uma expressão tão popular quanto preconceituosa. Trata-se de um estereótipo, utilizado para designar serviços malfeitos: "Ze ovada shel aravim". Em português, quer dizer "trabalho de árabe".
Por sorte, o serviço malfeito de sábado é de responsabilidade de um radical judeu, o estudante Yigal Amir, 25. Não deixa de ser irônico que Rabin tenha sido morto por um judeu depois de ter se confrontado com tantos rebeldes palestinos na Guerra dos Seis Dias.
Mas imagine-se o que estaria acontecendo agora se o autor dos disparos fosse um palestino. Nesse caso, sua morte teria gerado não um mártir da paz, mas um cadáver a ser vingado.

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