São Paulo, sábado, 11 de novembro de 1995
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Seminário discute controle sobre morfina

AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Os doentes terminais de câncer no Brasil estão morrendo com dores enormes que poderiam ser evitadas com a morfina. O emprego do medicamento vem sendo dificultado pela burocracia governamental e pelo preconceito e desinformação de parte dos médicos.
A afirmação é da professora Mirian Martelete, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Segundo ela, o Brasil importa 55 kg de morfina por ano, enquanto a Espanha consome 192 kg. O uso da morfina para dor foi debatido no simpósio sobre Uso Racional de Medicamentos Psicotrópicos.
O encontro, patrocinado pelas organizações Panamericana e Mundial da Saúde (Opas e OMS) e pelos ministérios da Saúde e Justiça, terminou ontem em Brasília.
A morfina é um opiáceo natural extraído da papoula. Os opióides são produtos sintéticos. Ambos atuam nos receptores do cérebro que controlam a dor. segundo Mirian, essas drogas "constituem o único grupo farmacológico eficaz para dor intensa".
A morfina e outros opióides, no entanto, foram estigmatizados por serem drogas que criam dependência física. A partir da morfina se produz a heroína. Por conta desse estigma, "o uso da morfina foi suspenso no Brasil nos anos 60".
Nos últimos 20 anos, ficou restrita ao uso hospitalar. Em 85, a OMS iniciou programa para o alívio da dor no câncer incentivando seu uso. Estima-se que o câncer cause 10% das mortes e que 85% dos doentes sofram dores intensas.
Para ter acesso a essas drogas, os governos devem fazer relatórios sobre o uso no ano anterior e previsões para o seguinte. Segundo Mirian, as exigências para sua prescrição desestimulam o médico.
Ele precisa de um cadastro especial que dá acesso a um receituário de dez folhas. Para receitar mais de cinco unidades, deve fazer um relatório sobre o paciente.
"Os escritórios de fiscalização só funcionam nas capitais. Menos de 5% dos médicos têm condições de prescrever o remédio", diz. Encontrar a morfina não é fácil. Segundo Mirian, em muitas capitais só uma farmácia vende o produto.
Elisaldo Carlini, secretário nacional de Vigilância Sanitária, diz que o governo ainda não conseguiu resolver o excessivo controle sobre a morfina. "O Brasil já foi acusado por órgãos internacionais por não cuidar de seus pacientes com dor. O país importa dez vezes menos morfina do que necessita."
Carlini lembra que o controle de psicotrópicos ainda não serviu para nada. "As receitas que as farmácias guardam nunca foram recolhidas. Convênios com alguns Estados vão permitir o controle."
O psiquiatra Fernando Grossi, da Universidade Federal de Minas, alerta para o risco de se facilitar em excesso a entrada de morfina. "Se não cuidarmos, a morfina pode ser a anfetamina de amanhã."

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