São Paulo, sábado, 11 de novembro de 1995
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Grande Irmão

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE

Com sete anos, normalmente, não se entende muita coisa. E foi com essa idade que vi, pela primeira vez, um acidente na F-1.
Um carro, virado de cabeça para baixo, pegou fogo em plena pista. Um piloto que passava pelo local parou, desceu do carro e, diante da passividade do fiscal, tomou-lhe o extintor e tentou apagar o fogo.
Desesperado por não conseguir combater o incêndio, o piloto chegou a bater no tal fiscal, como que tentando acordar o imbecil.
Fui procurar a corrida nos anais. E lá estava escrito: "Roger Williamson foi morto em um March durante a corrida".
Se não tivesse visto aquele acidente e não fosse F-1 meu trabalho, a tal frase seria suficiente. O sujeito morreu e pronto. Mas não foi assim, simples. Nunca é.
Houve um drama naquele 29 de julho de 1973, em Zandvoort. Um drama que faz parte da história de um esporte. Que as pessoas têm o direito de saber como aconteceu.
Para isso existe o jornalismo. Para as pessoas saberem o que aconteceu. Mesmo que, muitas vezes, movidas por um sentimento mórbido.
Duvido, por exemplo, que alguém tenha ignorado a foto de Hakkinen na primeira página desta Folha . Duvido, também, que alguém se sinta culpado por ficar interessado. Isso é humano.
O problema é que, nos últimos tempos, as imagens da F-1 passaram a ser controladas pela Foca. E tragédias se tornaram inoportunas.
Assim, a Foca decide o que vai ou não ao ar. Tem todo o direito, afinal a F-1 é seu negócio. Mas isso não é jornalismo.
A morte de Senna é o maior exemplo. A tal imagem feita pela câmera do carro não existia. Depois, apareceu -até momentos antes do choque. O resto, por enquanto, "não existe".
Outro exemplo: o acidente de Katayama em Portugal. O atendimento ao piloto foi ignorado pelo editor de imagens.
Mais um? Repararam quanto tempo a imagem da morte de Marco Campos levou para passar na Globo? Você sabia que a Globosat tem os direitos da F-3.000? A emissora tentou a liberação no próprio dia. O pedido foi negado.
E, ontem, parece que a tesoura funcionou novamente. Duvido que não exista uma imagem mais nítida do acidente de Hakkinen.
Ela pode aparecer, até mesmo antes desta coluna ser publicada. Mas isso só vai acontecer se Hakkinen se recuperar. Pelo menos foi assim que aconteceu com Wendlinger em Mônaco.

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