São Paulo, domingo, 12 de novembro de 1995
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Neoludita prevê catástrofe mundial em 2020

DE NOVA YORK

O norte-americano Kirpatrick Sale, 58, considerado um dos mais importantes neoluditas dos EUA, trocou há três meses um confortável apartamento no Greenwich Village, em Nova York, por uma casa de madeira na beira do rio Hudson, no norte do Estado.
"Cansei de viver na cidade. Nova York hoje é o melhor exemplo de como a tecnologia atrapalha, em vez de facilitar a vida das pessoas. Aquilo lá é um caos", afirmou Sale em entrevista à Folha.
Se as previsões de Sale se confirmarem, no ano 2020 a maioria dos países do Primeiro Mundo estará em guerra civil, e os países do Terceiro Mundo estarão mais miseráveis do que nunca.
"Se a revolução tecnológica continuar no ritmo que está, em 25 anos estaremos todos à beira de catástrofe econômica e ambiental", alerta Sale.
Quando trocou o caos de Nova York pela tranquilidade de Cold Spring, Sale deixou para trás quase todos os equipamentos eletrônicos que tinha em casa. "Tudo que não era necessário ficou no apartamento". Sale escolheu quatro "males necessários da tecnologia que continuariam a fazer parte de sua vida no meio do mato: um telefone, secretária eletrônica, carro e um rádio de pilha.
"Só uso o carro para ir a Manhattan. Por aqui, só ando de bicicleta. Já disse que não defendo a destruição de todas as máquinas. Sou contra o exagero, essa cultura compulsiva que faz com que a gente fique escravo de coisas sem importância. Como, por exemplo, os computadores."
Leia a seguir os principais trechos da entrevista que Sale concedeu à Folha, por telefone, de sua casa em Cold Spring.

Folha - O sr. se incomoda de ser chamado de neoludita?
Kirpatrick Sale - De maneira alguma. Não sinto vergonha, tenho orgulho do rótulo.
Folha - O sr. faz uma previsão bastante pessimista para os próximos 25 anos. Não há um pouco de exagero?
Sale - De maneira alguma. Se a revolução tecnológica continuar nesse ritmo, o número de desempregados vai crescer tanto que a estabilidade e até a existência dos países desenvolvidos estarão ameaçadas. Não estou inventando, nem sendo alarmista. Qualquer pessoa de bom senso, que pare para ver o que está acontecendo, perceberá que as tensões estão cada vez mais acirradas. Diria que estamos vivendo o princípio do fim.
Folha - O sr. acha que a revolução tecnológica é um processo irreversível?
Sale - Infelizmente, sim. Duvido que haja um meio de mudar o ritmo dos avanços tecnológicos. Porque a sociedade está vivendo um momento de deslumbramento com todos esses novos meios. É como se fosse uma adolescente deslumbrada, que não consegue achar nenhum defeito no namorado zarolho.
Folha - Para impedir a catástrofe que o sr. previu será necessário abdicar de todas as conquistas tecnológicas conseguidas até agora?
Sale - De preferência sim, mas não necessariamente.
Folha - O sr. trocou a cidade pelo interior, mas continua usando telefone e secretária eletrônica...
Sale - Também tenho carro e rádio de pilha. Mas é só. Veja bem, eu não acho que seja necessário destruir todas as máquinas, embora desencoraje o seu uso. O que considero fundamental neste momento é democratizar as decisões. A sociedade deve ter o direito de escolher que tipo de tecnologia ela quer. Hoje, são as grandes corporações e os governos que impõem os tipos de tecnologia à população.
Folha - Qual a sua opinião sobre o Unabomber?
Sale - Concordo com seus objetivos, mas desaprovo os métodos. Não gostava dele, nem de suas ações, mas acho que a intenção era boa. O problema é que o Unabomber é bastante simplista. Se ele tivesse estudado mais, teria feito um grande favor a nós todos, porque nunca imaginei que ele conseguisse atrair tanta atenção. Outro problema foi a opção pelo terror. Terrorismo nunca deu certo em lugar nenhum. Ele escolheu a estratégia errada. E fez mal, porque seus atentados não chegaram a espalhar terror pelos EUA. O que ele fez não tem nem comparação, por exemplo, com o que os radicais argelinos estão fazendo em Paris. Em todos os sentidos, considero o Unabomber um amador.
Folha - O sr. leu o manifesto em que ele prega a destruição da sociedade tecno-industrial?
Sale - Li mesmo antes de o texto ser publicado, a pedido do FBI. Achei muito mal escrito, apesar de levantar pontos válidos. Gostaria que ele fosse mais claro e persuasivo, porque acho que nunca houve tanta reflexão sobre os males da tecnologia. Perdemos uma boa oportunidade.

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