São Paulo, domingo, 12 de novembro de 1995
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Há problemas com a política cambial no Brasil?

EDUARDO FELIPE OHANA

O Plano Real, em decorrência dos resultados antiinflacionários, não tem encontrado oposição estruturada, capaz de propor alternativas. Não é fácil formar massa crítica contra uma ação de política econômica que permitiu maior acesso, à grande maioria da população, à cesta básica de consumo. Resta às oposições morder pelas beiradas. Mordem as taxas de juros e cambial. Na verdade, trata-se de dois componentes de um mesmo problema: escassez de poupança.
As reformas econômicas e administrativas, tão comentadas, não têm outro propósito senão o da elevação da poupança nacional. Enquanto isso não acontece, os preços precisam ficar atrelados a alguma coisa. No passado, esse atrelamento se deu com os congelamentos. Atualmente, a taxa de câmbio faz este papel de referencial de preços.
Ao longo dos primeiros três meses deste ano, fatores técnicos e psicológicos provocaram a elevação da demanda interna, que, considerada a política cambial e a rigidez de oferta no curto prazo, resultou no aumento das importações, na queda das exportações e na elevação dos preços dos produtos não-comercializáveis com o exterior (aluguéis, escolas etc). Em reação, o governo, acertadamente, restringiu o crédito interno.
Face a essas circunstâncias, surgiu uma curiosa união dos representantes dos mais diversos matizes ideológicos, e até alguns segmentos dentro do governo, para "morderem o plano pelas beiradas. Em especial, os argumentos contra a política cambial parecem desfocados.
Como se sabe, a ancoragem dos preços à taxa de câmbio facilita a desmontagem do tradicional processo de indexação. Diferentemente da Argentina, a taxa nominal de câmbio não está congelada, mas desatrelada do compromisso de sustentar um determinado valor real para o câmbio, síntese do processo de correção monetária.
De fato, ao se compararem os movimentos da taxa nominal de câmbio com o comportamento dos preços industriais no atacado, encontram-se quatro momentos distintos na estratégia câmbio-juros de estabilização.
A espinha dorsal do plano foi inaugurada com forte valorização cambial e elevada taxa real de juros. Como o crédito interno não estava contido, houve a elevação da demanda agregada, resultando em forte pressão sobre o balanço de pagamentos. A inflação industrial média mensal caiu de 40%, antes do plano, para 0,7%. Em março de 95, maturaram os efeitos da crise mexicana, implicando um verdadeiro "turning-point" na estratégia de ancoragem. Houve desvalorização real do câmbio, aperto de crédito e elevação acentuada na taxa real de juros.
O realinhamento de câmbio exigiu medidas restritivas sobre a demanda. Não obstante, a taxa média mensal de inflação industrial subiu para 1,58%. Este susto estimulou o governo a retornar para a estratégia de valorização cambial, em abril e maio (terceira etapa). Essa ancoragem e, principalmente, o aperto de crédito fizeram a inflação cair a partir de junho, quando, então, parece ter sido inaugurada a quarta etapa, um novo regime de desvalorizações reais.
O risco, nessa nova circunstância, seria os agentes econômicos perceberem um novo padrão de indexação.
Assim, não se pode cogitar de uma estratégia pré-elaborada de valorização permanente do câmbio. A referência crítica à sobrevalorização requer que se aponte em relação a que. Em 1993, por exemplo, não havia críticas e, não obstante, a taxa para a indústria, em agosto de 95, estava somente 3% acima da média daquele ano.
Como se sabe, a desvalorização cambial induz uma redução na absorção da poupança externa, uma pressão inflacionária e, por sinalizar o retorno à indexação cambial, uma ameaça ao capital estrangeiro no país. Por tudo isso, no primeiro momento após a desvalorização o governo teria de elevar a taxa real de juros, o que agravaria as questões bancária e fiscal. Os graus de liberdade da política econômica para seguir nessa direção são muito reduzidos.
Outros temas que compõem o corpo principal das críticas referem-se ao custo fiscal do endividamento externo e aos prejuízos causados ao parque industrial nacional.
Com relação ao primeiro, as taxas reais de juros domésticas são elevadas para evitar o excesso de demanda interna, uma vez que a indústria nacional foi devidamente protegida pelas tarifas aduaneiras. Não obstante, pode-se questionar a tendência de acumulação de reservas externas vis-à-vis as barreiras à entrada de capitais (por exemplo, IOF).
O segundo tema das críticas é mais delicado. Estão envolvidos argumentos sobre modernização e competitividade. Por enquanto, segue sem resposta a questão dos fatores indutores da modernidade industrial. Com certeza, há de ser necessária alguma desproteção para que se evite a acomodação capitalista e o povo brasileiro possa ter acesso aos produtos pagando preços internacionais.
Por outro lado, oblitera-se a perspectiva da estratégia de estabilização com a angústia do crescimento. Está prevalecendo a análise de desempenho do setor real da economia, associado à instauração do programa. A perspectiva mais adequada seria aquela que avaliasse esse desempenho sem o programa, vale dizer, sem a estabilização.
Visto dessa forma, esse segundo tema limita a taxa de sacrifício do plano, invertendo a hierarquia da ação econômica. É a taxa de crescimento e do emprego que diz até onde o programa de estabilização pode ir. Embora seja verdade que nem todas e quaisquer estratégias de estabilização sejam adequadas para o país, um caminho certo para o fracasso é impor a todo e qualquer plano um excesso de objetivos, como o Plano Cruzado, que se propunha estabilizar e, ainda, ser um plano de metas.
Rejeitar a política cambial como se fora um detalhe representa exercitar uma crítica envergonhada. Deve-se, então, criticar o plano pela sua natureza. Aceitá-lo só em seus resultados positivos é jogar para a platéia. Seria o Plano Real um outro grande equívoco?

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