São Paulo, domingo, 12 de novembro de 1995
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Cineastas mostram história do cinema em série na TV

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Primeiro, existe uma idéia pertinente: pedir a cineastas importantes, de diversos países, que apresentem sua versão da história do cinema em seus respectivos países.
Depois, uma ação oportuna da Rede Manchete, que está exibindo a série -"Cem Anos de Cinema", produzida pelo British Film Institute- todos os domingos, às 22h30.
Por fim, há a série propriamente dita e algumas dúvidas que suscita. A relação dos países enfocados inclui Nova Zelândia e Irlanda. OK, tanto mais se levarmos em conta a origem britânica da série.
Menos justificável é a ausência de países como Itália e ex-URSS. Antes de implodir, em 1991, a URSS deu ao mundo cineastas como Eisenstein, Pudovkin, Kozintsev, Tarkovski, entre tantos outros. Criou, sobretudo, uma concepção de cinema que influenciou tudo o que se fez no mundo.
O mesmo se pode dizer da Itália: o neo-realismo, criado por Roberto Rossellini ao final da Segunda Guerra Mundial, continua um fato central da estética cinematográfica até hoje. Isso para não falar de vultos como Fellini, Visconti, Zurlini, Leone, Bertolucci, Moretti etc. (e bota etc. nisso).
Dito isso, dois dos três países enfocados até agora saíram-se com brilho. Scorsese teve três programas para falar do cinema americano. Nada mais justo, tal a vastidão dessa cinematografia.
Scorsese fez um trabalho essencialmente crítico. Tratava-se de, nessa ampla história, discernir, descobrir, fazer justiça.
Com exceção de D.W. Griffith e John Ford, centrou fogo em cineastas hoje um tanto esquecidos (ao menos nos EUA), como Samuel Fuller, Budd Boetticher, Allan Dwan, Edgar G. Ullmer, Raoul Walsh, Anthony Mann, Vincente Minnelli, entre outros.
Fez trabalho crítico (de alta crítica), também, ao explicar o que cada uma das imagens apresentadas trazia ao cinema, ou o que as particularizava. É um programa (três, na verdade) antológico, onde se pode perceber a formação de um grande cineasta, compondo uma história pessoal e, no entanto, perfeitamente universal e didática.
Jean-Luc Godard vai em direção oposta, no episódio dedicado à França. Quase não há imagens dos filmes que fizeram a história do cinema francês.
São substituídos por uma reflexão sobre a memória, o sentido da celebração do centenário do cinema (se é que existem). À sua moda, Godard coloca em questão nossos sentimentos, critica a nostalgia, constata a morte dos filmes e indaga o motivo do esquecimento. Não faz trabalho crítico, mas historiográfico. É notável.
Menos feliz é Stephen Frears no episódio apresentado no domingo passado. Evoca o cinema britânico a partir de muitas linhas (desde a fuga de talentos para Hollywood até a falta de apoio oficial).
É elucidativo ao mostrar a importância da TV para as gerações que se formam a partir dos anos 60. Mas, incompreensivelmente, deixa de lado aspectos importantes do cinema inglês: o período mudo, a escola documental, a rica produção fantástica da Hammer.
Daqui por diante veremos Nova Zelândia ("Cinema da Inquietação", de Sam Neill), Alemanha ("A Noite dos Cineastas", de Edgar Reitz), Japão ("Cem Anos de Cinema Japonês", de Nagisa Oshima), Escandinávia (de Stig Bjõrkman), Irlanda (de Donald Taylor Black), China (de Stanley Kwan) e América Latina ("Cinema de Lágrimas", de Nelson Pereira dos Santos).
É da Alemanha e do Japão que vêm as maiores esperanças. Apesar de algumas decepções e outros tantos furos, o conjunto é importantíssimo. Bastava o episódio de Godard, ou o de Scorsese, para que estivesse totalmente justificado.

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