São Paulo, terça-feira, 14 de novembro de 1995
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Respeito é bom

LUÍS PAULO ROSENBERG

A economia é dita a ciência do desalento, pelo pouco das infinitas necessidades humanas que é capaz de ajudar a resolver. Haja vista a pobreza humilhante que sobrevive nos EUA, a impossibilidade de concluir a união econômica européia ou a ameaça do colapso do sistema bancário japonês. Mesmo assim, se devidamente respeitada, consegue ser suficientemente competente para permitir a navegação por mares menos revoltos.
Infelizmente, desrespeitá-la vai-se tornando hábito nesta equipe econômica. Por isto, vamos de novo retornar aos livros-textos introdutórios da economia.
Podemos pular as surradas e recém-revitalizadas páginas iniciais, que nos maravilham com as virtudes da livre concorrência, onde Deus é o mercado e o sistema de preços, seu profeta.
Comecemos diretamente na intervenção, pelo governo, sobre a formação desses preços. Por exemplo, pelas tarifas de importação. Aprende-se, então, que a fixação dessas tarifas faz parte dos instrumentos da política industrial do país e não da artilharia de curto prazo.
Assim, tomemos uma economia fechada, que por décadas tinha proibido as importações de perturbar o bem-bom do lucro assegurado do produtor local. Um belo dia, o clamor popular exige que a política econômica deixe de ser dirigida à proteção dos interesses desses empresários e passe a privilegiar o consumidor.
Um liberal fanático, à semelhança de um cearense desvairado, reduziria todas as alíquotas de importação instantaneamente. Estaria usando o sistema tarifário como um Zeus no Olimpo, despejando raios mortais como punição aos empresários que patrocinaram o lobby da inclusão da reserva de mercado no texto da Constituição.
Um erro imperdoável, pois, dessa forma, não se estaria dando uma chance ao empresariado local de provar se é capaz de sobreviver em regime de competição aberta.
Recomendam o bom senso e o livro-texto que se estabeleça um programa de médio prazo de redução progressiva das alíquotas de importação, começando pelos insumos e avançando para bens finais, e que se siga rigidamente o cronograma divulgado. Assim, separa-se o joio do trigo: quem for competente, ágil, sobreviverá.
E o desejável é que se consiga modernizar o maior número possível de empresários locais: o melhor dos mundos seria ter trabalhadores brasileiros produzindo autopeças e montando veículos no Brasil tão bons e baratos quanto os lá de fora.
Daí, a primeira lição: a política de fixação de alíquotas de importação é, intrinsecamente, um instrumento do crescimento econômico; portanto, de médio e longo prazo. Alíquotas não podem ser reduzidas para impor, instantaneamente, uma economia aberta.
Como não podem, também, ser manipuladas semanalmente como instrumento de combate à inflação ou de ajuste fino da balança de pagamentos. É esse o descalabro cometido por esta equipe.
Tomemos a indústria automobilística. Nos últimos meses, a alíquota passou de 20% para 32%; depois, foi para 70%; depois, introduziram-se cotas de importação; depois, o governo assumiu o compromisso de reduzir a alíquota para 30% a partir de abril próximo; depois, removeram-se as cotas; depois, o porta-voz do presidente (o oficial, não o Serjão) deu o dito pelo não dito e disse que fica mesmo em 70%. Passe esse filme para um empresário asiático e depois convença-o a construir uma fábrica de automóveis no Brasil.
Similarmente, não tem nada que reduzir a alíquota de importação da cerveja porque se aproxima o verão. Como ficam os planos de expansão dos cervejeiros nacionais perante a volatilidade da palavra oficial? Credibilidade e continuidade nos compromissos públicos assumidos -eis a matéria-prima indispensável para que os projetos de investimento privado possam cristalizar-se, não o casuísmo barato de aprendiz de feiticeiro.
O engraçado é que, na semana passada, a alíquota de importação dos cobertores foi elevada para 70%. Há de ser porque o governo teme uma demanda explosiva pelo artigo durante o verão, ou que empresários inescrupulosos acumulem estoques de cobertores até o próximo inverno, aproveitando-se do juro maneiro que se vem praticando...

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