São Paulo, terça-feira, 14 de novembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

José Lewgoy é 'vilão zen' em 'O Judeu'

JOSÉ GERALDO COUTO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Aos 55 anos de carreira e 75 de idade, José Lewgoy é uma das figuras de maior destaque do 28º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.
Ele está em dois filmes da competição: o longa-metragem "O Judeu", de Jom Tob Azulay, e o curta "Glaura", de Guilherme de Almeida Prado.
O judeu José Lewgoy ri da ironia de interpretar no filme de Azulay um inquisidor-geral do Santo Ofício, instituição empenhada em queimar judeus e outros "hereges".
Lewgoy estudou arte dramática na Universidade de Yale e fala fluentemente inglês, francês e alemão.
O ator trabalhou em mais de cem filmes, de chanchadas de Carlos Manga a obras de Werner Herzog, Stanley Donen, Paul Mazursky, Glauber Rocha e Hector Babenco.
Atualmente, ele está escrevendo suas memórias, com o título provisório "Eu", e se prepara para estrelar o próximo longa de Guilherme de Almeida Prado, "A Hora Mágica".
Apaixonado pela arte e literatura japonesa (seu escritor de cabeceira é o poeta zen Bashô), seu sonho atual é conhecer o Japão.

Folha - Os percalços durante a realização de "O Judeu" afetaram seu trabalho no filme?
Lewgoy -Não. Minha parte em "O Judeu" foi toda rodada na primeira etapa das filmagens. Só tive dificuldade em tirar o bigode -coisa que só havia feito em "Carnaval no Fogo" e na minissérie "Anos Dourados".
Folha - Você deu ao personagem do inquisidor um caráter sutilmente maquiavélico...
Lewgoy -Quando me dão papéis que me obrigam a um comportamento uma nota acima do cotidiano, eu procuro fazer a coisa com um pouco mais de sutileza. Sobretudo sendo um papel que poderia conduzir a um desempenho vilanesco, já que eu carrego nas costas essa marca de vilão.
O inquisidor explica as razões da Inquisição sabendo da desumanidade a que ele submetia aquela gente inocente.
A Inquisição sempre soube que estava defendendo razões de Estado da Igreja, e que aquelas pessoas eram inocentes.
A verdade é que a Inquisição faz parte da maldição da humanidade.
A humanidade é má. O pecado original é a natureza do homem. Meu personagem sabe perfeitamente isso, e aceita.
Folha - O grande embate dramático do filme é entre seu personagem e o do inquisidor jovem, que age movido pela fé.
Lewgoy -Claro. A essência do filme está aí. Na minha opinião, os melhores diálogos do filme são os do meu personagem. Pela primeira vez tive um texto forte, que eu pude "morder".
No cinema, talvez esse seja meu melhor papel. Em "Terra em Transe", meu texto era subordinado à natureza do personagem, que era um populista. Era bem mais esquemático.
Houve quem estranhasse que meu personagem, sendo um português, falasse "brasileiro". Quando o filme ficou pronto, me chamaram para ver e decidir se deveria dublar a mim mesmo, desta vez forçando o acento português. Eu vi e, sinceramente, achei que não fazia falta nenhuma, que seria um naturalismo desnecessário.
Folha - Com que diretores você gostou mais de trabalhar?
Lewgoy -Gosto de trabalhar com diretores que mostram afeto por seus atores, como Mazursky, com quem fiz "Luar sobre Parador". Ele deixa todo mundo num clima de felicidade.
Ator é um ser extremamente frágil, apesar de às vezes não parecerem. Chaplin dizia: é muito fácil você quebrar a segurança de um ator. Porque ele se expõe, e a partir de um certo ponto o papel deixa de ser uma máscara.
Folha - Como foi trabalhar com Herzog?
Lewgoy -Foi bom, mas muito desconfortável. Algumas cenas minhas poderiam ter sido rodadas num salão do hotel Holiday Inn, com ar condicionado (risos), mas Herzog gosta sempre das situações mais difíceis, das locações complicadas.
Para mim foi uma aventura fantástica. Eu achava que eu já estava aposentado, fazendo lá as minhas novelinhas na Rede Globo... (risos).
Além disso, havia Klaus Kinski, que tinha um comportamento delirante e tornava complicada a vida de Herzog e de todo mundo.
Mas comigo ele se dava bem. O produtor do filme, irmão do Herzog, disse numa entrevista à "Stern" que a única pessoa no set que Kinski respeitava era eu.

Texto Anterior: CLIPE
Próximo Texto: Mãe de Glauber encontra Zé do Caixão
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.