São Paulo, sexta-feira, 17 de novembro de 1995
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Morais conta histórias inéditas sobre o Brasil

FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

O escritor Fernando Morais, 47, espera a chegada do século 21 com um olhar inquiridor sobre o século que termina: planeja lançar em 1999 um livro sobre a parte do século 20 que o Brasil não conheceu.
"O Século Esquecido" promete contar algumas histórias inéditas, como a de uma rede de espionagem anti-nazista que atuou no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Vai detalhar outras, mal conhecidas em alguns recantos do país, como a guerra do Contestado, em Santa Catarina, e a revolta dos beatos, em Juazeiro do Norte.
Autor das biografias do jornalista Assis Chateaubriand e da militante Olga Benário, Morais sabe que desta vez terá trabalho multiplicado. Seu personagem não é um, mas vários ao mesmo tempo.
O autor já tem mais de 30 casos listados e comanda uma equipe de pesquisadores espalhados de Nova York ao interior do Ceará. Passa 12 horas por dia diante do computador compilando dados.
"Estou igual a um padre. Trabalho o dia inteiro, e cada vez me aparecem mais histórias", diz ele, que usa a Internet para coletar informações. Seu endereço: morais@sol.uniemp.br.
"O Século Esquecido" será publicado pela Companhia das Letras, com patrocínio da Fundação Odebrecht, e lançado também em CD-Rom. A seguir, algumas revelações de Fernando Morais sobre o livro em andamento:

Folha - Quais são as histórias do século esquecido?
Morais - São personagens e episódios que aparecem como complementares ou coadjuvantes na história oficial, mas que, na verdade, são importantíssimos e especialmente interessantes. Um dos meus personagens é o médico Floro Bartolomeu, um líder político do interior do Ceará que militarizou os beatos. Eles comandaram uma revolução em 1913 e derrubaram o governo estadual. Histórias como estas são conhecidas no Ceará, por exemplo, mas desconhecidas do Brasil.
Folha - Há alguma história inédita?
Morais - Sim, e uma das mais interessantes é a existência de uma rede de espionagem anti-nazista formada no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, que atuava especialmente em São Paulo e no Rio. Descobri que eles tinham até um sistema de interceptação das transmissões radiofônicas.
Folha - Como o sr. obteve esta informação?
Morais - Uma pessoa que pertenceu a esta organização me procurou quando soube que eu iria fazer o livro. Era um velho militante que achou que não poderia morrer sem que ninguém soubesse desta história. Estou com pesquisadores em Nova York, vendo arquivos do FBI (Federal Bureau of Investigation, a polícia secreta americana), para confirmar dados inacreditáveis, que não posso revelar agora.
Folha - Desses mais de 30 casos selecionados, já estão decididos quais estarão no livro?
Morais - Não sei exatamente quantos vou usar, depende do rumo das pesquisas. Esses dois já estão definidos. Também a história da Shindo Remmei, uma organização terrorista japonesa que atuou em São Paulo, depois da Segunda Guerra. Eles começaram a divulgar na colônia japonesa que o Japão não tinha sido derrotado. Houve uma espécie de embate entre os katigumi (vitoristas japoneses) e os makegumi (derrotistas) e várias pessoas morreram. Essa organização tinha grupos especializados para matar os que diziam que o Japão fora derrotado.
Folha - Essas histórias terão ligação entre si?
Morais - Não necessariamente. Em alguns casos, há ligações, como entre as duas revoltas religiosas, a de Juazeiro e a do Contestado, em Santa Catarina. O homem que conteve a revolta do Contestado, general Setembrino de Carvalho, foi escolhido para ser interventor do Ceará depois da queda de Floro Bartolomeu.
Folha - Este general é o personagem?
Morais - Será citado, mas vou contar a guerra do Contestado, entre 1912 e 1916, a partir da ótica de personagens como um fotógrafo alemão, um monge e uma beata, a Maria Rosa, que se transforma em chefe militar. Essa revolta é formidável. Pela primeira vez no Brasil foram usados aviões militares, a segunda vez no mundo.
Folha - Como surgiu a idéia?
Morais - Pesquisando para os outros livros. Sempre apareciam histórias boas, que eu guardava para escrever reportagens. Até que o Luís Schwarcz, meu editor, sugeriu um livro com estas histórias. O meu desafio é explorar lados diferentes e obscuros de épocas já muito conhecidas. O que já não há de teses e livros sobre o café e as ferrovias? Vou agora contar esta história pela ótica dos índios massacrados neste episódio.
Folha - Como espectador, quem o sr. imaginaria no papel de Chatô?
Morais - Acho que seria muito difícil um só ator viver todas as fases, a não ser com um trabalho de maquiagem perfeito. Para o Chatô adulto, imagino um pouco o José Lewgoy. Mas não tem nada certo, é só um palpite.

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