São Paulo, sexta-feira, 17 de novembro de 1995
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Mostra resgata espírito pioneiro de Winslow Homer

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

A Galeria Nacional de Arte em Washington mostra até o dia 28 de janeiro a mais completa retrospectiva do artista norte-americano Winslow Homer, a primeira desde a que o Whitney Museum de Nova York fez em 1973.
Winslow Homer (1836-1910) representou em imagens o espírito dos pioneiros que exploraram o oeste dos EUA, embora ele nunca tenha deixado a costa leste do país. O embate entre homem e natureza é um dos seus temas preferidos.
Ele é considerado um dos primeiros artistas realmente norte-americanos. Apesar de ter vivido durante a hegemonia do impressionismo francês e até passado um ano em Paris, seu estilo nada tem a ver com essa escola.
Em alguns aspectos, apesar de seu conteúdo rigorosamente realista, ele parece um precursor de Jackson Pollock (1912-1956), por causa de suas pinceladas fortes, carregadas de cores, em particular na fase final.
Noutros momentos, em especial nos seus primeiros trabalhos, Homer parece ter sido o inspirador de Norman Rockwell (1894-1978), o ilustrador da vida cotidiana mais banal da sociedade norte-americana.
As comparações sempre vão aproximá-lo de outros pintores dos EUA, embora, no século 19 e início do 20, a arte do país estivesse completamente dominada pela influência européia.
Homer nasceu em Boston. Sua mãe era uma artista amadora, que gostava de pintar flores e incentivou a inclinação do filho para as artes plásticas.
O pai, um bem-sucedido comerciante, perdeu tudo na corrida pelo ouro na Califórnia, o que obrigou o jovem Homer a procurar emprego aos 19 anos.
Trabalhou 10 horas por dia para fazer US$ 5 semanais por dois anos numa litografia, em regime que ele depois descreveria como "de escravidão".
Mas foi nessa função de aprendiz de litógrafo que Homer engendrou o caráter conciso de sua narrativa gráfica, como ele mesmo reconheceu.
Como Rockwell mais tarde, Homer ficou famoso primeiro pelo seu trabalho como ilustrador de revista. No seu caso, a "Harper's Weekly", que o contratou para cobrir a Guerra Civil.
Seus quadros da guerra que matou 215 mil norte-americanos se distinguem dos demais registros do conflito por se concentrarem não em batalhas ou atos de heroísmo mas na rotina dos acampamentos militares.
Soldados que fumam, conversam à beira do fogo, cozinham, olham os campos de ação à distância, descansam, jogam ferradura, lembram-se do lar longínquo são os primeiros personagens de Homer.
Um dos mais famosos de seus quadros, "Prisoners from the Front", foi feito logo após a Guerra Civil e é considerado a mais perfeita síntese visual do conflito: mostra um jovem oficial da União encarando três prisioneiros confederados, um velho, um rapaz bronco e um jovem desafiador.
Depois da guerra, Homer se firmou como pintor figurativo. Mudou-se para Nova York, onde levava vida social intensa e era badalado pela elite local.
Mas seus quadros na década de 1870 raramente retratavam esses poderosos ou sua vida elegante. Seus personagens preferidos eram do campo.
Ele foi um grande pintor de crianças. "Snap the Whip" mostra um grupo delas, descalças, brincando felizes ao serem liberadas de um dia de trabalho na escola rural e é uma das mais conhecidas cenas da pintura dos EUA.
Excepcional para brancos na época, Homer gostava de pintar negros. "The Carnival", o quadro mais famoso com negros como tema, mostra uma família de escravos recém-libertos comemorando com fantasias ritos africanos.
Algo intenso e até hoje desconhecido aconteceu na vida de Homer no final dos anos 1870. Ele começou a frequentar menos os salões de Nova York, a se tornar arredio ao ponto da indelicadeza quando aproximado por conhecidos.
Como deixou poucos escritos e quase não tinha confidentes, há poucos indícios sobre que motivos o levaram a se isolar cada vez mais, ao ponto de ter se tornado a partir de 1880 até a morte um ermitão.
Primeiro, Homer viajou para uma pequena vila de pescadores na Inglaterra, onde ficou isolado por dois anos. Quando voltou para os EUA, instalou-se numa pequena cidade no Estado do Maine, no extremo nordeste do país.
Prout's Neck, numa península rochosa, açoitada pelo mar com frequência tempestuoso e por grandes nevascas no inverno, se tornou o refúgio de Homer por 27 anos e o local onde sua arte mudou por completo e ganhou densidade.
O pintor, que nunca se casou nem teve grandes amigos (embora tenha sempre se mantido em contato com os parentes mais próximos), eliminou as pessoas de sua convivência diária e das telas que passou a pintar.
"Fox Hunt", seu quadro de maior tamanho e talvez de maior intensidade, mostra uma raposa presa na neve e prestes a ser atacada por corvos famintos.
A raposa, ela própria um animal predador, não parece se incomodar com o iminente risco de vida que corre. Sua cabeça se volta para o mar distante, iluminado por um sol fraco de inverno, como que resignada com a sorte que a aguardava e em busca de algum alívio numa posteridade qualquer.
Em "West Point, Prout's Neck", no qual nenhum ser vivo aparece, apenas mar, rochas, céu e nuvens pouco depois do pôr-do-sol, a dramaticidade das cores e um certo descaso com a descrição realista sugerem um abstracionismo com certeza não-intencional.
Homer morreu no seu isolamento, aos 74 anos. A escassez de documentos sobre suas idéias tornam difícil interpretar com exatidão seus objetivos artísticos. O que deixou foram centenas de quadros, 225 deles nessa retrospectiva. Eles são suficientes para entendê-lo.

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