São Paulo, sábado, 18 de novembro de 1995
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Reforma agrária resolve?

EDUARDO PIRES CASTANHO FILHO

Desde seu auge nas décadas de 50/60, a reforma agrária ressurge como capaz de resolver os graves problemas socioeconômicos do país. Atualmente, retomou sua força e as invasões de terras, com seus conflitos, são atestado disso.
É, portanto, momento não só de agir como de refletir, visando contribuir para a resolução dos problemas nacionais e desmistificar soluções miraculosas.
A população vê a reforma agrária como a desapropriação de uma grande propriedade improdutiva, para redistribuir terras a pessoas que não têm como produzir alimentos. Do ponto de vista econômico, acrescenta-se a necessidade de fixar as populações em seus locais de origem, reduzindo o custo da criação de empregos. No entanto, fazem-se necessárias ainda outras considerações.
Em primeiro lugar, a questão da propriedade privada, que no país é um direito líquido e certo; no entanto, precisa estar cumprindo seus objetivos socioeconômicos e ambientais, produzindo bens e serviços, gerando renda e emprego, pagando impostos e taxas e contribuindo para a manutenção do equilíbrio do ambiente.
Fugindo dessas obrigações, é legal a intervenção estatal visando adequá-la, seja por penalizações tributárias, seja via desapropriação. Neste caso, os recursos presentes ou futuros aí empregados poderiam sê-lo em outras ações do poder público.
A nova utilização teria que ser feita, pelos alijados do processo produtivo, no modelo socioeconômico ambiental mais adequado e jamais implicaria, por aético, a alienação da propriedade, agora pública, para um particular, a menos que fosse por este adquirida. Assim, uma vez transformadas em bem público, as áreas só deveriam ser utilizadas mediante concessão e com objetivos preestabelecidos.
Um segundo ponto relaciona problemas sociais, necessidades econômicas e conceitos técnico-ambientais que permeiam processos que tenham o espaço rural como base.
A tendência estrutural de crescimento do desemprego implica que se lhe busquem soluções nos setores que ainda absorvem mão-de-obra, como o campo. Nele, a geração de empregos se dá tanto pela produção de bens (alimentos, fibras, insumos energéticos, matérias-primas industriais) como pela prestação de serviços (melhoria da água, conservação do solo, proteção da biodiversidade, estocagem de carbono, estabilização de encostas, turismo, atividades científicas, educativas e recreativas).
As opções dependem tanto dos cenários futuros como do tipo de uso e parcelamento que se pretenda dar ao solo. O desenvolvimento tecnológico faz prever que a produção agrícola dependerá menos do solo, concentrando-se nos entornos dos centros urbanos consumidores.
Assim, também a geração de emprego pela produção agrícola dependerá menos da terra e mais da agregação de valor, via transformação industrial. Essa tendência implica que a geração futura de empregos no campo dar-se-á principalmente pelos serviços ambientais, que se multiplicarão em função da sua complexidade.
Resta ainda um aspecto: o da relevância da reforma. O que de fato se pretende resolver com esse procedimento e o dispêndio de recursos públicos, visto que a importância econômica da fase agrícola na economia de um Estado como São Paulo é menor que 10%?
É imprescindível que se esclareçam esses pontos, para que as pessoas não sejam levadas a acreditar em soluções que nada têm a ver com seu cotidiano. Mesmo a pressão sobre a infra-estrutura urbana por migrações inter-regionais não se verifica mais; até pelo contrário, ocorrem reduções absolutas de população em cidades como São Paulo, por exemplo.
Parece crucial neste momento, portanto, discutir a reforma quanto ao seu conteúdo, a respeito do qual procuraram-se levantar alguns pontos, e também quanto à sua abrangência e prioridade, já que os principais problemas sociais, econômicos e ambientais deste final de século 20 estão nos grandes centros urbanos e a condição do campo de contribuir para solucioná-los, infelizmente, é pequena.

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