São Paulo, sábado, 18 de novembro de 1995
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Mozart traz o mito da morte do sedutor

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

"Don Giovanni" -que estréia hoje no Teatro Municipal- encarna o mito da sedução que não pode ser levada às últimas consequências, e que em razão disso está acoplada à punição do sedutor pelo inferno e pela morte.
O tema é um dos mais recorrentes no teatro, na música e na literatura. Surgiu por volta de 1620, com o monge e dramaturgo Tirso de Molina (1580-1648).
A abundância bibliográfica que o enredo original desencadeou é o mais nítido sintoma de o quanto o donjuanismo é ao mesmo tempo problemático e fascinante.
Levantamento antigo indica existirem em torno dele 82 versões teatrais ou literárias em línguas ibéricas, 26 em italiano, 95 em francês e 82 em alemão.
No cinema, há no mínimo 14 versões depois de uma primeira, na Espanha, em 1906.
Quanto à música, 80 compositores mergulharam no mito para a produção de poemas sinfônicos, cantatas profanas, serenatas e, evidentemente, também óperas.
Mozart, o autor da mais conhecida de todas elas, associou-se ao libretista Lorenzo Da Ponte (1749-1835) para um "Don Giovanni" que agora encerra a temporada lírica paulistana.
Embora seja de uma extrema beleza melódica, em termos puramente teatrais "Don Giovanni" não possui uma estrutura tão rígida quanto "As Bodas de Figaro"(1786), a simetria de "Cos Fan Tutte" (1791) ou um itinerário tão bem sucedido quanto "A Flauta Mágica" (1791).
Ou seja, é na musicografia mozartiana uma "ópera defeituosa", conforme os termos talvez excessivamente fortes do crítico francês Dominique Jameux. Mas o essencial do enredo moralizador é mantido em sua integralidade.
Em Tirso de Molina e seus seguidores imediatos, o pecado de don Juan estava na negação sistemática e jocosa do vínculo monogâmico, no qual, em boa parte, se assentavam os parâmetros morais da contra-reforma.
O personagem pintado por Da Ponte é mais "moderno" em sua transgressão. "Don Giovanni" é aquele que desafia uma lei segundo a qual a terra e as mulheres têm dono. Sem pretender se contrapor ao princípio da propriedade, já que é um bom aristocrata, o libertino se entrega a tentativas de pôr em cheque o contrato conjugal.
Há ainda em "Don Giovanni" o prazer da quantificação de suas conquistas, catalogadas pelo criado Leporello. São cem na França e 1.003 na Espanha. Depara-se, ao final de uma carreira tão profícua, com o personagem do Comendador, cuja filha ele procura seduzir e a quem mata em duelo. Sob a forma de estátua, o Comendador volta à cena para punir o sedutor e destruí-lo com as chamas da danação.

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