São Paulo, domingo, 19 de novembro de 1995
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Estabilização, crescimento e importação de tecnologia

LISUN JOÃO; PAULO SÉRGIO TENANI

LISUN JOÃO e PAULO SÉRGIO TENANI
Uma das prioridades do governo FHC deveria ser a correção dos preços relativos
Existe uma perspectiva por demais otimista no ar. A impressão que se tem dos debates entre alguns economistas renomados e da leitura de trabalhos publicados pelo Fundo Monetário Internacional é a de que a transição entre um plano de estabilização bem-sucedido e um processo de crescimento econômico sustentável é automática.
Ou seja, uma vez eliminada a inflação, a taxa de investimento, a produtividade dos insumos e o progresso tecnológico imediatamente aumentariam. Três exemplos são citados para justificar esse otimismo: as estabilizações turca e coreana, no início dos anos 80, e a brasileira, em 1964, que foram seguidas de longos períodos de crescimento econômico.
No entanto, tal otimismo é prematuro e as menções à "vocação brasileira ao crescimento" devem ser feitas com o devido cuidado, uma vez que os pressupostos de um surto de crescimento econômico não são os mesmos que fazem o sucesso de um plano de estabilização. E para cada Brasil-1964, ou Turquia e Coréia do início dos anos 80, sempre existirão uma Argentina, uma Bolívia, um Chile e um México, lembrando-nos que a transição poderá ser lenta e com altos custos sociais.
Um exame mais detalhado desse problema aponta alguns conflitos. Um plano de estabilização bem-sucedido, tipicamente requer uma redução do déficit fiscal e uma taxa de câmbio sobrevalorizada. No entanto, a redução no déficit fiscal tende a diminuir a demanda interna, o que faz com que as empresas não invistam e a economia não cresça.
A taxa de câmbio sobrevalorizada, por sua vez, diminui a competitividade da economia e impede que o setor exportador assuma o papel de promotor do crescimento econômico, como ocorreu na Coréia. E esse mesmo câmbio sobrevalorizado transforma uma liberalização comercial, que em outras circunstâncias teria efeitos benéficos sobre a produtividade, em um risco para o plano de estabilização, como a experiência brasileira recentemente comprovou.
Mas existem alternativas a seguir. Crescimento econômico requer acúmulo de capital, eficiência na utilização dos insumos e desenvolvimento tecnológico. O caminho "acumulação de capital", apesar de ter sido a base do processo de "industrialização via substituição de importações", não é viável para economias pobres e com baixas taxas de poupança. O Brasil teria de atrair investimentos externos em capital produtivo, o que já está sendo facilitado com as atuais mudanças constitucionais.
Por sua vez, um aumento na produtividade dos insumos é uma alternativa descartada durante a fase de estabilização de preços, quando existem desequilíbrios macroeconômicos consideráveis, sub-utilização da capacidade produtiva e dificuldades para uma ampla liberalização comercial.
A alternativa "progresso tecnológico", por outro lado, vem sendo relegada a um segundo plano, apesar de trabalhos empíricos (1) que estimam que ela explique pelo menos um terço do crescimento econômico americano entre 1929 e 1982.
O que acontece no Brasil é que o conceito de "progresso tecnológico" ainda não foi corretamente assimilado, e argumenta-se que a tecnologia deveria ser desenvolvida domesticamente, e não importada. A tecnologia importada não seria adaptada à realidade local e, por ser capital intensiva, geraria desemprego e prejudicaria a distribuição de renda.
Essa visão se refletiu em vários artigos que circularam na imprensa brasileira nas últimas semanas, atribuindo o aumento do desemprego no setor automobilístico ao progresso tecnológico do setor. Porém, tal argumento não é necessariamente verdadeiro, e sua aceitação tem causado um viés antitecnologia que impede que o Brasil se aproveite de uma das poucas vantagens de ser subdesenvolvido: a possibilidade de adaptar tecnologias que já provaram ser eficientes, sem incorrer nos riscos do investimento.
Na nossa opinião, na presença de uma estrutura de incentivos apropriada, as empresas adaptam sua tecnologia de produção às características locais. Portanto, importação de tecnologia poderia aumentar, e não diminuir, o emprego no Brasil. Foi isso que aconteceu com as montadoras americanas no norte do México (as maquiladoras), que adaptaram sua tecnologia para beneficiar-se dos baixos custos da mão-de-obra mexicana.
O mesmo só não ocorreu no Brasil porque a estrutura de preços relativos não reflete os custos verdadeiros dos insumos, e sim as distorções causada por décadas de "industrialização via substituição de importações". Ou seja, as demissões que vêm ocorrendo no setor automobilístico brasileiro não são fruto da importação de tecnologia "per se", mas sim da importação de tecnologia na presença de uma estrutura de incentivos artificial.
Uma vez eliminadas as distorções nos preços relativos, as montadoras brasileiras teriam incentivos monetários para adaptar suas tecnologias às características mão-de-obra intensiva do Brasil e a importação de tecnologia estaria vinculada ao aumento, e não à diminuição no nível de emprego do setor.
Portanto, uma das prioridades do governo FHC deveria ser a correção dos preços relativos, através do desmantelamento do aparato institucional criado para promover "industrialização via substituições de importação". Depois, seria também preciso atrair tecnologia internacional, desregulamentando e quebrando monopólios nos setores de serviços e telecomunicações.
A McKinsey Corporation estima que, para a Alemanha, onde os salários são comparativamente mais altos e a estrutura de preços relativos infinitamente menos distorcida, a desregulamentação do setor de serviços e a quebra do monopólio na área de telecomunicações, gerariam cinco milhões de novos empregos.
A estimativa para os Estados Unidos, que em breve terá várias "information highways" para facilitar o fluxo de informações e serviços entre firmas, residências e repartições públicas, é ainda maior.
Até o momento, o pensamento econômico brasileiro não apontou a saída para um processo de crescimento econômico sustentado. Tanto as tentativas de crescer por meio do acúmulo de capital quanto de inventar, reinventar ou importar tecnologia na presença de uma estrutura de preços relativos distorcida não tiveram os efeitos desejados.
Na nossa opinião, a importação de tecnologia, nas condições apropriadas, poderia ser a solução mais fácil para o crescimento econômico. E a esperança é que o governo FHC tenha tanto bom senso para promover crescimento quanto está tendo para estabilizar a economia.
As experiências da Argentina, Bolívia, Chile e México já alertaram que, sem os cuidados devidos, estagnação econômica pode muito bem, e durante um bom tempo, conviver com estabilidade de preços.

(1) E. Dennison (1985) "Trends in American Economic Growth: 1929 and 1982", Brookings Institution. Ver também R. Solow (1988): "Growth Theory and After", "American Economic Review", vol 78, nº 3, e o artigo de P. Romer, "Capital Accumulation and the Theory of Long-Run Growth", no livro de R. Barro (1989): "Modern Business Cycle Theory", Harvard University Press.

LISUN JOÃO, 32, é vice-presidente do Departamento de Tecnologia Empresarial e Serviços de Informação do Chase Manhattan Bank (NY-EUA) e mestre em Engenharia Elétrica pelo Instituto Politécnico do Brooklyn (EUA).
PAULO SÉRGIO TENANI, 32, mestre em Filosofia pela Universidade de Columbia (EUA), mestre em Ciências e Economia pela Universidade de Illinois (EUA) e professor licenciado da Universidade São Judas Tadeu (SP).

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