São Paulo, domingo, 19 de novembro de 1995
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Apec quer liberar comércio com cautela

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Na semana passada, as atenções no mundo inteiro se voltaram para o confronto entre o presidente Clinton e os republicanos. Além de paralisar atividades do governo, o entrevero acabou inviabilizando a viagem de Clinton a Osaka, onde termina hoje mais um encontro anual da Apec (Asia Pacific Economic Cooperation).
O tema central é a liberalização comercial no mais dinâmico pólo econômico deste final de século. Muitos ocidentais alertam para os riscos de um modelo asiático de liberalização comercial.
Outros acreditam que a estratégia de liberalização da Apec mais uma vez coloca em primeiro plano apenas os interesses das grandes corporações transnacionais. É o caso das Organizações Não-Governamentais (ONGs), presentes à conferência, que protestam contra a rapidez excessiva dos planos de liberalização comercial. As ONGs fizeram seu encontro em Kioto.
Os planos situam em 2020 a data de liberalização total. A realidade, entretanto, parece estar em algum lugar entre a retórica oficial e a contra-propaganda das ONGs.
As divergências entre os países da Apec parecem principalmente de forma. Há um consenso a favor da liberalização comercial. Mas é também fato que a filosofia dos asiáticos não converge necessariamente com a dos americanos.
Regras X zen
Os EUA querem regras que assegurem para cada participante uma equivalência em termos de ganhos de comércio. Todos concordam que o ideal é assegurar o melhor para o maior número possível. Mas os asiáticos não são assim tão afeitos a regras escritas e, de modo geral, recusam a utilização da Apec como um foro de negociação formal.
A expressão-chave nesse processo é "regionalismo aberto". O grupo tem optado por uma abordagem que segue o princípio do pragmatismo. Segundo um relatório preparado pelo Grupo de Pessoas Eminentes (Eminent Persons Group), pragmatismo significa que "o foco básico é nos resultados, não na forma, nas realizações mais do que na doutrina; acreditamos que se deve evitar a superinstitucionalização e a superburocratização". O recado é evitar semelhanças com o modelo europeu.
O regionalismo aberto, por extensão, significa um compromisso não só com a redução das barreiras comerciais dentro do grupo, mas também de liberalização global.
Não se trata apenas de abrir os mercados asiáticos, mas de garantir que todos os mercados do mundo continuem abertos aos asiáticos. Ou seja, é rechaçada a idéia de "bloco de comércio". No seu lugar, valeria mais colocar no horizonte a idéia de "comunidade".
Nessa abordagem, digamos, zen, da liberalização comercial, ganha evidência a tese de que o processo deve ser voluntário em cada país. O documento final deste ano deve consagrar esse princípio. Se o objetivo é criar uma comunidade em vez de um bloco comercial, cada participante deve evoluir rumo ao objetivo comum, segundo o ritmo que lhe convier.
Assim, de fato, fica impossível ignorar que esse discurso cauteloso reflete os interesses de alguns gigantes, no grupo, que há vários anos resistem às pressões ocidentais por maior liberalização, como China, Coréia ou Japão.
O fraseado cauteloso torna-se ainda mais compreensível, levando-se em conta que nesse pólo de crescimento a questão da segurança alimentar é central. O protecionismo agrícola em muitos casos chega ao estatuto de razão de Estado. O exemplo clássico é a política dos asiáticos em relação ao arroz.
Finalmente, é evidente que processos de crescimento acelerado têm um enorme potencial destrutivo de recursos naturais e meio ambiente.
Dada a tendência recente, entre países desenvolvidos, de denunciar não apenas o dumping social, mas também de exigir selos de qualidade ambiental, parece óbvio que países como a China resistam a interferências externas.
Ainda é discutível se os asiáticos realmente têm um modelo próprio de desenvolvimento econômico. De qualquer forma, eles procuram agir com uma paciência milenar diante das pressões ocidentais por uma abertura mais rápida de suas economias.

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