São Paulo, domingo, 19 de novembro de 1995
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Governo já previa a crise bancária

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo poderia ter preparado com mais antecedência e calma os instrumentos necessários à administração da crise bancária. Desde o início do Plano Real, seus autores diziam que o fim da inflação criaria dificuldades para os bancos, exatamente como ocorre.
Ainda em 26 de setembro último, o ministro da Fazenda, Pedro Malan, observava que o programa de estabilização poderia fracassar em três circunstâncias. Eram elas: uma explosão de consumo, a crise das contas externas e a incapacidade de lidar com as dificuldades dos bancos.
Os dois primeiros problemas, já em setembro, estavam superados. O terceiro estava aparecendo. E agora está na ordem do dia.
Acontece que bancos são sócios da inflação alta e crônica. Dos lucros dos bancos brasileiros antes do Plano Real, um terço, em média, vinha das receitas inflacionárias. Mas em bancos não ajustados, esse lucro era muito maior.
Os bancos aplicavam o dinheiro que, por alguma razão, ficava parado na conta dos clientes.
Exemplos: o banco recebia a conta de luz e só entregava o dinheiro à companhia um ou dois dias depois; recebia os salários depositados pela empresa e só os liberava para os empregados no dia seguinte.
E assim em vários outros casos, tudo somando uma massa de recursos cuja aplicação diária chegava a render quase 2%, no auge da inflação.
Além disso, a inflação consumia despesas importantes, como aluguéis e salários dos bancários.
Com um ano de inflação muito baixa e descendente, esses truques não podem mais ser aplicados. O banco perde receita e tem aumento de despesas.
Alguns se ajustam, outros não. E estes, dadas as complexas interligações do sistema bancário, ameaçam a vida dos bancos bem administrados. O ambiente cria, então, um problema de credibilidade.
O que os investidores mais temem, em qualquer país, é uma crise bancária.
Afinal, o dinheiro está aplicado justamente no mercado financeiro. Assim, a perspectiva de crise gera fuga de capitais.
Em resumo, o ministro Pedro Malan não estava exagerando quando dizia que uma crise aguda do sistema financeiro brasileiro poderia levar junto o programa de estabilização.
Por isso também, do ponto de vista do governo, o eventual custo no apoio a fusões e incorporações de bancos sempre será menor do que deixar correr a crise do sistema bancário.
A rigor, o país ainda não vive uma crise bancária. Mas esteve perto disso. O Banespa e o Banco Econômico são instituições suficientemente grandes para abalar todo o sistema. A situação dos dois bancos, entretanto, está sob controle.
E o programa de estímulo ao sistema bancário criará condições para uma solução definitiva para os bancos sob intervenção. O que o Ministério da Fazenda e o Banco Central querem evitar a qualquer custo é uma intervenção em algum outro banco grande ou de médio porte.
É curioso, de qualquer modo, como as três ameaças ao Plano Real derivaram exatamente do sucesso inicial do programa.
A derrubada da inflação aumenta a renda das pessoas, cujo dinheiro não sofre mais a desvalorização diária de quase 2%.
Esse aumento de renda vai direto para o consumo. E o consumo maior pode causar aumento de preços por falta de produtos.
Pode causar também uma crise nas contas externas. Com consumo interno aquecido, dólar valorizado e abertura, ingredientes da estabilização, caem as exportações e aumentam as importações.
Déficits altos no comércio externo, como ocorreu no Brasil no final de 1994 e início deste ano, levariam à crise da falta de dólares.
Pode-se dizer, hoje, que o governo administrou bem os dois primeiros problemas. O consumo foi esfriado e o comércio externo está dando superávit. Agora é a vez dos bancos.

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