São Paulo, domingo, 19 de novembro de 1995
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Sociedade de redes

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Uma rede é sempre um conjunto de relações entre pontos ou "nós" que mantêm a cada momento uma independência relativa, ainda que ressalte sempre, ao mesmo tempo, uma força que resulta do conjunto.
A massa é disforme, dispõe-se para a manipulação. A rede sugere vínculos qualitativos. A massa resulta de uma concentração quantitativa.
Redes ocupam espaços, mas dão sentido a esses espaços, criam topografias variadas. Massas nunca definem um sentido por si mesmas.
A massa é um receptáculo de informação e sentido. Nas redes ocorre produção de informação e sentido. As massas são passivas, as redes são ativas.
É quase natural pensar que as massas podem crescer por incorporação indistinta de elementos "novos" ou "originais" que imediatamente são massificados. Assim, a massa não tem história, pois sempre devora a mudança qualitativa. Tudo o que pode ser quantificado pode ser massificado. A massa é democrática.
As redes, para crescer e se transformar, exigem recombinações qualitativas que se associam a um tempo irreversível, histórico. As redes não crescem por incorporação, mas por integração. As redes são seletivas e dependem das ações individuais.
As massas tendem a comportamentos de horda e rebanho. As redes exigem interatividade.
O capitalismo contemporâneo vive a transição de uma sociedade de massas para uma sociedade de redes.
Nada mais contrário à massa que o indivíduo. Ainda assim, é justamente no contexto da massificação que surgiram as mais radicais reafirmações do individualismo.
Numa rede, o indivíduo não é pólo oposto a um "coletivo" sufocante, mas elemento constitutivo, ainda que não necessariamente libertário.
Na massa impera o princípio da indiferenciação. Na rede as possibilidades de articulação entre nós distintos cria continuamente espaços e tempos individualizados ou individualizáveis.
A massa acumula e aglutina, as redes oscilam ao sabor de alianças estratégicas situadas no tempo e no espaço. As principais mudanças econômicas dessa época de transição apontam todas rumo ao reforço das redes. Assim, paradoxalmente, o capitalismo vai colocando em primeiro plano as qualidades dos corpos "coletivos", que, para funcionarem, exigem de cada indivíduo mais interação do que cooperação, mais criatividade do que reatividade.
O auge da sociedade de massas correspondeu ao que em economia industrial se define como fordismo. Desde os anos 80, entretanto, discutem-se os contornos de uma possível ordem pós-fordista.
Não se trata de apologia de uma "ordem" que mal se esboça. Ela é tão excludente e politicamente ambígua quanto as outras formas capitalistas que lhe precederam. Mas estão em jogo princípios de organização, acumulação, dominação e representação distintos dos que predominaram na era da sociedade de massas.
Nessa época, a "cultura de massa" não é uma ilusão, como sugere o presidente FHC. A massificação continua aí. Mas há sinais por toda parte de uma nova forma, progressiva, de organização econômica, social e política.
Não se trata de "volta à artesania" nem de um novo primado do "indivíduo". O presidente acerta ao identificar na criatividade e no conhecimento os elementos da nova era.
Mas, para compreender a nova era, é necessário não o contraponto do "indivíduo" com a sociedade de massas e sim a identificação de uma nova espécie de coletividade "consistente" com uma nova forma de capitalismo.
O que surge de positivo não é uma nova cultura de indivíduos mas sim uma nova cultura de redes onde aos indivíduos cabem papéis distintos dos que eram possíveis na sociedade de massas.
O elemento catalisador dessa transformação das massas em redes é o conhecimento. Tanto os bens de consumo quanto os bens de produção tornaram-se intensivos em informação e conhecimento.
As redes de comunicação definem uma infra-estrutura compatível com o máximo de diversidade e interatividade.
Ganha importância crescente o predomínio do "zapping", da bricolagem, da descontinuidade, da irreversibilidade, da sobreposição, das combinações em tempo real, que ao mesmo tempo fazem e desrespeitam a história, os consensos e as regras.
Ninguém sabe ainda se isso é o prenúncio de uma nova criatividade, mais liberdade com responsabilidade (liberdade sem medo?), ou se dessa voragem centrípeta surgirão "novos podres poderes, embalados justamente pelo vazio que atormenta as massas de desempregados e excluídos.

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