São Paulo, domingo, 19 de novembro de 1995
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Machos que são 'bons de bico'

VANESSA DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Ter pelo menos uma relação extraconjugal durante a vida pode ser mais vantajoso do que relacionar-se exclusivamente com uma única parceira. Essa é a conclusão de um estudo publicado no mês passado na revista "Nature".
Pesquisadores britânicos acompanharam uma espécie de pássaro australiano, o mandarim (Taeniopygia guttata), que, apesar de monogâmico, investe em relações extraconjugais, ou como chamam os cientistas EPC ("sigla para copulação extra-par").
O sucesso reprodutivo é medido pelo número de óvulos que o macho consegue fecundar.
Os infiéis conseguem, em uma única relação extraconjugal, fertilizar entre 54% e 84% dos óvulos da fêmea, média não obtida pelo parceiro fiel.
Segundo o estudo, tal sucesso é garantido não só porque os machos infiéis liberam um número maior de espermatozóides durante a relação extraconjugal -cerca de sete vezes mais-, mas também porque os espermatozóides são mais velozes que os liberados na relação com a parceira oficial.
Rejeição
Nas aves, são as fêmeas que escolhem os parceiros. Mas não é só. As fêmeas também controlam o tempo de copulação, decidindo quando não querem mais copular.
Na espécie estudada pelos britânicos, as fêmeas passam a rejeitar o parceiro antes do fim de seu período fértil.
"Em aves, a copulação antecede a fertilização", disse Elisabeth Hofling, do Instituto de Biociências da USP.
Segundo a pesquisadora, a fecundação -encontro entre óvulo e espermatozóides- ocorre após o período de copulação.
Os espermatozóides ficam guardados numa espécie de reservatório, conhecido como oviduto, e vão sendo liberados aos poucos.
Resultado: os machos que têm a chance de investir numa relação extraconjugal também têm a chance de fecundar a fêmea que os aceitar.
Segundo T. R. Birkhead, autor do estudo, certos animais, como peixes, conseguem ajustar o número de espermatozóides de acordo com a situação social.
"Os mandarins não têm essa habilidade. Mas o tempo de espera até que uma fêmea decida ter uma relação extraconjugal, permite que esses machos tenham uma reserva maior de espermatozóides e que possam transferir mais e melhores espermatozóides para elas", disse à Folha.
Com relação às fêmeas, diz o pesquisador, interessa que um número maior de óvulos seja fecundado. Rejeitando seu parceiro antes do fim do período fértil, ela ainda tem a chance de ser fecundadas por outros machos.
"Minha interpretação disso é que a adoção desse comportamento daria às fêmeas a oportunidade de investir em uma relação extraconjugal, se um macho bem dotado aparecesse", diz Birkead.
Para o pesquisador, quando isso acontece, ambos se beneficiam, e o sucesso da espécie é garantido.
"Machos se beneficiam das relações extraconjugais porque conseguem passar seu patrimônio genético a um número maior de filhotes", disse o pesquisador.
Segundo o cientista, o motivo por que fêmeas resolvem "trair" seus companheiros é desconhecido. "Acreditamos que ela se beneficia da mesma forma, permitindo que seus filhotes tenham um pai mais dotado".
Machos competem não só pelas fêmeas, mas também na quantidade de esperma. Em muitas espécies animais, os machos tendem a maximizar o número de espermatozóides que liberam durante a relação extraconjugal.
Essa tendência, observada também em algumas espécies de primatas, como os muriquis, parece ter sido favorecida pela evolução.
Isso porque a relação extraconjugal permite a uma fêmea ter filhotes com diferentes patrimônios genéticos, condição que favorece a maior variabilidade genética dentro da espécie.
Assim, mesmo machos de espécies consideradas monogâmicas adotam várias estratégias de conquista como forma de aumentar seu sucesso reprodutivo.
Conhecida como "competição por meio do esperma", a teoria prevê que machos que conseguirem ejacular um número maior de espermatozóides, serão mais bem-sucedidos que os outros.
Mas não é só. Os pesquisadores também associam o sucesso reprodutivo dos machos à qualidade do espermatozóide. Machos que conseguissem produzir espermatozóides mais ligeiros, também seriam mais bem-sucedidos.
Os pesquisadores, que analisaram a velocidade dos espermatozóides dos mandarins por meio de uma técnica chamada análise de esperma computadorizada, observaram que tanto o número de espermatozóides, quanto a velocidade dos gametas é determinada pelo tempo desde a última ejaculação.
Esses efeitos são consequência do modo como os espermatozóides são estocados e amadurecidos no sistema reprodutor masculino.
"A diferença na qualidade do esperma é determinada pelo tempo que o espermatozóide tem para amadurecer no trato reprodutivo masculino", disse Birkhead.
Os cientistas observaram que, quando machos de mandarim eram deixados sem copular por sete dias, ejaculavam várias vezes com um boneco que imitava uma fêmea da mesma espécie.
Os resultados mostraram que manter relação com uma fêmea apenas era suficiente para que o estoque de espermatozóides terminasse e a velocidade dos gametas caísse pela metade.
Mas, ao esperar que outras fêmeas "cedessem" às suas investidas, eles estariam "melhorando a qualidade de seus gametas.
Segundo Birkhead, há indícios, embora ainda não tenha sido provado, de que o mesmo ocorra em outras espécies de pássaros.
Embora haja dois tipos de infidelidade conjugal -a relação extraconjugal e a poligamia-, alguns pesquisadores admitem que a chance de sucesso reprodutivo é diferente nos dois sexos.
O sucesso de um macho que investe numa relação extraconjugal estaria limitado pelo número de fêmeas que estão no período fértil e que poderiam criar os filhotes sozinhas ou precisariam de ajuda para criar os filhotes.
O sucesso reprodutivo das fêmeas estaria limitado pelo número de óvulos fecundados que ela pode produzir e pelos quais pode pleitear ajuda do macho na criação.

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