São Paulo, domingo, 19 de novembro de 1995
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Balé da Cidade dança "Z" de Zumbi

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A coreógrafa senegalesa Germaine Acogny, autora do espetáculo "Z", que o Balé da Cidade de São Paulo estréia hoje no Parque do Ibirapuera, fez de Zumbi um personagem universal.
Inspirado no líder negro, cujos 300 anos de morte estão sendo comemorados neste ano, "Z" representa, segundo Acogny, o futuro das raças. "Neste balé exaltamos a paz, a alegria e o orgulho racial, como sentimentos que integram todos os povos", diz.
Considerada a primeira dama da dança africana, Acogny foi convidada para coreografar "Z" por Ivonice Satie, diretora artística do Balé da Cidade. Para selar o encontro entre Brasil e África, a trilha sonora foi entregue a Gilberto Gil que, até então, nunca havia criado para balé.
Em agosto passado, num almoço na casa de Gil, no Rio, o compositor conheceu a coreógrafa. A afinidade foi imediata. Embora envolvido com a gravação de seu novo disco, Gil concordou em compor a música, a partir de um roteiro de Acogny.
Daí em diante, cada um criou por si. No entanto, quando recebeu a fita com a música gravada, Acogny constatou que era tudo o que esperava. "Gil captou todos os sentimentos que lhe transmiti", ela observa.
Com a colaboração de Carlinhos Brown e Rodolfo Stroeter, responsável pela direção musical do espetáculo, Gil realizou uma trilha instrumental, basicamente percussiva. "Através da música de Gil me reencontrei com a cultura iorubá", afirma Acogny, neta de uma sacerdotiza, que morreu quatro anos antes do nascimento da coreógrafa, em 1944.
Uma espécie de orixá, a avó de Acogny iniciava os jovens no ritual da dança e no contato com o deus da religião iorubá. "Sou a reencarnação de minha avó", acredita Acogny.
Estimulada pelo pai, escritor e administrador de colônias, Acogny recebeu sólida formação. Aos 18 anos, foi estudar educação física e ginástica harmônica em Paris. Também aprendeu balé clássico e, nos Estados Unidos, realizou cursos de dança moderna com Martha Graham, José Limon e Alvin Ailey.
Em 1968, fundou seu primeiro estúdio de dança em Dakar, Senegal. Na época, conheceu Katherine Dunham, pedagoga e coreógrafa norte-americana, que dedicou-se à pesquisa antropológica da dança.
Outra personalidade que influenciou Acogny foi o coreógrafo francês Maurice Béjart, que a considera seu duplo africano. Com o apoio de Béjart e Léopold Senghor, poeta e ex-presidente do Senegal, ela fundou em 1977 o Mudra Afrique.
Inspirada na escola Mudra que Béjart manteve nos anos 70 em Bruxelas (Bélgica), Acogny procurou formar bailarinos completos, com múltiplas habilidades, como canto e interpretação teatral.
O Mudra Afrique funcionou até 1982. Três anos depois, Acogny instalou-se na cidade francesa de Toulouse, onde dirige com o marido, o alemão Helmut Vogt, a Association Studio-École-Ballet-Théâtre du 3ème Monde.
No próximo ano, ela pretende inaugurar na cidade senegalesa de Toubab Dialao um novo centro de pesquisa e intercâmbio, que já tem o coreógrafo norte-americano Bill T. Jones como colaborador.
Autora de uma técnica específica de dança, Acogny realiza uma fusão entre elementos tradicionais e modernos, que ela procurou introduzir na nova coreografia do Balé da Cidade.
Valorizando danças em conjunto, "Z" não possui solos. Na primeira parte, quando a música exalta a harmonia entre céu e terra, cosmos e humanidade, três rapazes -um negro, um branco e um mestiço- simbolizam a união das raças.
No decorrer do espetáculo, momentos de alegria se contrapõem a cenas de sofrimento. "Expressamos, por exemplo, uma flagelação que não é somente física, mas que simboliza as agressões cotidianas da vida moderna".
Os movimentos valorizam o contato do corpo com o chão. "O samba brasileiro é aéreo, se comparado com a dança tradicional africana, que retira da terra sua energia vital", observa Acogny.
"A idéia geral da coreografia é a liberdade que há em cada um de nós. Consequentemente, somos habitados pelo espírito livre de Zumbi."

Espetáculo: Z
Quando: hoje, às 11h, gratuito
Onde: Praça da Paz, parque Ibirapuera

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