São Paulo, domingo, 19 de novembro de 1995
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Dalai Lama quer saída amigável para Tibete

MARCELO COUTINHO
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE DHARAMSALA

Tenzin Gyatso, o 14º Dalai Lama do Tibete e Prêmio Nobel da Paz em 1989, é o líder espiritual de milhões de budistas.
Para os tibetanos, ele também é um ser que reencarna sucessivamente, com o objetivo de ajudar todas as criaturas a se livrar do ciclo de renascimento e morte até alcançarem o nirvana -estado de ausência total de sofrimento.
Há mais de 30 anos o Dalai Lama vive no exílio, em Dharamsala, no norte da Índia. Em 1949, o Tibete -um Estado soberano desde o século 7º e que não possuía exército regular havia pelo menos 300 anos- foi invadido pelo Exército chinês.
A ocupação foi justificada por Pequim como uma "libertação" do povo tibetano, em função do poder que os religiosos detinham sobre o Estado.
Em nome dessa "libertação", monges e freiras foram forçados a manter relações sexuais em público, cerca de 5.000 monastérios foram destruídos, a religião foi proibida, mais de 1 milhão de tibetanos foram executados e milhares de mulheres, esterilizadas.
Mais de 6 milhões de chineses foram transferidos para a região. Hoje os tibetanos são minoria em seu próprio país, sofrendo torturas e perseguições políticas.
Apesar de tudo isso, o Dalai Lama advoga uma solução pacífica, que, ainda que implique abrir mão da completa independência, evite o derramamento de mais sangue. Suas principais preocupações são evitar o fim da cultura e da língua tibetanas.
Centenas de estrangeiros visitam Dharamsala, também conhecida como "a Lhasa da Índia, uma referência à capital do Tibete.
As atenções estão concentradas no monastério onde o Dalai Lama realiza algumas orações públicas e no centro de estudos tibetanos, localizado a 2 km da cidade, que tem cerca de 5.000 habitantes.
A residência dele é um conjunto de casas cercado por um muro alto e discretamente vigiada pelos oficiais do Departamento de Segurança tibetano -que, por questões de princípios, não podem andar armados- e soldados do Exército indiano. Depois de alguma espera, o visitante é gentilmente revistado e conduzido aos aposentos pessoais do Dalai Lama.
Depois de oferecer chá, lembra-se do Brasil e pergunta se quero um café. Leia a seguir, trechos da entrevista.

Folha - Há mais de 30 anos, o sr. defende a não-violência como maneira de lutar contra a ocupação chinesa no Tibete. A não-violência pode ser usada como arma política da mesma maneira que foi usada por Gandhi, há mais de 50 anos?
Dalai Lama - Hoje mais do que na época de Gandhi. Atualmente, a não-violência é uma atitude muito mais aceita e compreendida.
Graças a ela, temos recebido a simpatia e a solidariedade espiritual de povos ao redor de todo o mundo. E também, cada vez mais, do próprio povo chinês.
Não podemos ignorar que a China faz fronteira com o Tibete e sempre será um país mais poderoso do que o nosso.
Para mantermos uma boa vizinhança política e espiritual no futuro, é extremamente importante acharmos uma solução para o problema de maneira amigável, e nós estamos determinados a isso.
Folha - Para o professor Samuel Huntington, da Universidade Harvard, o surgimento da China como um poder econômico será o evento mais desestabilizador da era pós-Guerra Fria. Segundo ele, a China quer seu lugar no mundo. Na sua opinião, qual deve ser esse lugar?
Dalai Lama - É justo e merecido que o povo chinês tenha seu lugar no mundo, mas não à custa de outras nacionalidades.
A China comunista é um Estado multinacional composto de diversas etnias e países, com uma ideologia expansionista e administrado de uma maneira colonial.
A estabilidade política e econômica da China dependerá não somente da construção de uma sociedade mais aberta e democrática, mas também do destino das assim chamadas minorias nacionais (tibetanos, mongóis, iughurs, etc), que hoje correspondem a cerca de 100 milhões de pessoas.
Folha - Em uma mudança semelhante à que aconteceu na então União Soviética?
Dalai Lama - Talvez de maneira um pouco mais lenta. Com o colapso da União Soviética, ficou claro que a experiência humana no século 20 atravessou um ciclo completo, colocando-nos no início de uma nova era histórica.
Embora o comunismo tenha alguns princípios bastante nobres, a prática das elites ao implantá-lo provou-se desastrosa.
Seus governos avançaram excessivamente sobre o indivíduo para controlar a informação nas sociedades, ignorando que a liberdade é condição essencial para a criatividade e o progresso do indivíduo e sociedade. Não é suficiente, como os regimes comunistas assumiram, prover as pessoas com comida, abrigo e roupas.
Folha - Como o sr. se sente em relação ao futuro?
Dalai Lama - Eu me sinto otimista em relação ao futuro. Hoje, mais pessoas parecem compromissadas com a coexistência e com a paz mundial do que com a divulgação de ideologias. Ao contrário do que se acreditou nos últimos séculos, a guerra não é a condição inata do ser humano.
A crescente compatibilidade entre ciência e religião também alimenta esse otimismo. Avanços na física, biologia e psicologia mostram que as questões indagadas pela ciência estão muito próximas das indagadas pela religião.

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trechos da entrevista à pág. 25

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