São Paulo, domingo, 19 de novembro de 1995
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Barões, bagres e tubarões

GILBERTO DIMENSTEIN

Bem-humorado, um importante executivo de um banco americano me perguntou quais as três diferenças básicas entre um traficante de drogas e um banqueiro num país de inflação alta. A resposta: "O banqueiro não tem medo da polícia, não precisa trabalhar tanto para ganhar dinheiro, e, mais importante, seus lucros são maiores".
Irônico, ele explicou como encara o abalo nos bancos no Brasil. Até pouco tempo atrás, os banqueiros ganhavam dinheiro fácil graças à inflação, numa euforia artificial semelhante aos efeitos da cocaína. Agora estão sufocados. Um sufoco acompanhado com faro de tubarão por bancos estrangeiros atrás de barbadas.
Não estão surpresos. Desde o início do ano, relatórios produzidos por analistas financeiros dos Estados Unidos, destinados a clientes de bancos de investimentos, alertavam que a queda da inflação produziria estragos.
É um rico período de aprendizado. O movimento sísmico gerado pela baixa da inflação está para a economia como o fim do regime militar esteve para a política, gerando uma nova distribuição de espaço e poder.
A verdade: para o trabalhador comemorar o preço estável da cesta básica, os banqueiros teriam de lamentar os cofres mais vazios. Por ignorância ou esperteza (mais ignorância do que esperteza), os dirigentes sindicais não perceberam por muito tempo como a inflação é generosa com os poderosos. Daí o atual período ser dolorosamente pedagógico.
Poderosos, no caso, não são apenas os banqueiros, mas todos aqueles -empresários, prefeituras, governos estaduais e União- que se aproveitam da anemia da moeda. Se forem inteligentes, os sindicalistas devem prestar atenção às fracassadas tentativas do governo federal para diminuir seus rombos, fonte essencial de inflação. E, se forem ainda mais espertos, colocam na parede governos e congressistas.

Gente séria aqui e no Brasil me diz que ajudar bancos com dinheiro públicos em dificuldade tem justificativa técnica. Seria muito pior e mais caro se a crise se espalhasse. Mas, vamos reconhecer, é duro engolir ajuda a bancos com dinheiro público quando a crise social soma-se ao desemprego impulsionado pela renovação tecnológica, os prontos-socorros parecem acampamentos de guerra e as escolas estão destruídas.
PS - Aliás, antes de sacar dinheiro público, será que se cogitou, por acaso, em usar o patrimônio pessoal dos donos dos bancos? Vão vender seus imóveis, fazendas, aviões, iates? No Brasil, não raro a empresa vai mal, mas seu dono vai muito bem. Devem, claro, estar rindo na minha cara; afinal, pela lógica perversa da elite brasileira, só quem pode vender tudo o que tem é o trabalhador desempregado.

Por falar em trabalho, informação do "The New York Times": um motorista de táxi em Nova York leva limpo para casa, por semana, US$ 450,00. Compare: o médico chefe (chefe, repito) do Hospital das Clínicas de São Paulo ganha por mês US$ 2.000, sem descontos.

Pela primeira vez cai o salário médio dos médicos americanos. Uma pesquisa preliminar da Associação Médica Americana informa que baixou para US$ 12,5 mil mensais; há dois anos chegava aos US$ 13 mil. Eles choram como se estivessem sendo atendidos num pronto-socorro em São João do Meriti.

Por falar em trabalho, tem sido dura a rotina do ex-presidente Fernando Collor em seu auto-exílio em Miami. Cercado de mordomias, ele passa as madrugadas jogando cartas com amigos e só vai acordar de tarde, para o almoço. Para não morrer de tédio, aderiu a um passatempo: nas horas "vagas" prepara um livro sobre política internacional.
Pelo jeito, estará mais ocupado do que Itamar Franco, seu sucessor, que assume em breve o posto de embaixador da OEA (Organização dos Estados Americanos em Washington).

A polícia de Nova York é considerada uma das mais violentas dos Estados Unidos e é criticada, com razão, por abusos e arbitrariedades contra pobres e minorias. No ano passado, todos os policiais dispararam apenas 200 tiros, a maioria deles para o alto -cada tiro exige um relatório. Foram mortas 25 pessoas.
PS - Reconhecimento: o secretário de Segurança do Rio, Hélio Luz, está contribuindo para a educação e a construção da nossa cidadania. Poucos homens públicos tiveram a coragem de apontar a parcialidade com que a polícia trata os diversos tipos de delinquentes. Luz tem ajudado a combater a visão de que a função da autoridade policial é proteger o rico do pobre. E não os pobres dos ricos.
Vejo, aqui, (e sinceramente sinto inveja) como a impunidade é bem menor. Um bom exemplo são os direitos do consumidor; quem lesa, leva pauladas de milhões de dólares. Nem vou falar do combate à sonegação, que, se aplicado aí com o mesmo rigor, encheria os cofres do governo e as prisões.

Se índios no Brasil ganham dinheiro exportando mogno, nos Estados Unidos os nativos faturam explorando cassinos em suas reservas. De acordo com levantamento que acaba de sair, prosperam cassinos em pelo menos 70 reservas indígenas.
É de pasmar: na reserva dos Mashantucket Pequot, em Connecticut, a jogatina atrai, por dia, 45 mil apostadores, movimentando anualmente US$ 800 bilhões, capaz de dar inveja a Las Vegas. Desse total, 20% ficam na reserva.
Agora, como se vê, é o índio que está enganando o homem branco, depois de tantos séculos de humilhação.
A propósito, segundo levantamentos oficiais, nunca o americano apostou tanto em cassinos, cavalos e loterias: em 1994, foram US$ 482 bilhões. Quase todo o PIB brasileiro.

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