São Paulo, domingo, 19 de novembro de 1995
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Lá e cá

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

A semana que passou foi marcada por uma intrigante coincidência. O governo americano fechou suas portas por falta de recursos ao mesmo tempo em que o governo brasileiro descobriu um déficit de R$ 20 bilhões em 1995.
Pensando bem, nenhum dos dois fatos surpreendeu. Nos Estados Unidos, os americanos, há muito tempo, vêm insistindo em gastar mais do que ganham. Os consumidores viciaram no cartão de crédito e nas prestações.
O governo, forçado ou não, embarcou em programas incrivelmente dispendiosos nas áreas da saúde, previdência e educação. Desse jeito, não há orçamento que aguente.
No caso brasileiro, o governo pôs a culpa no endividamento dos Estados e nos gastos com o funcionalismo. São fatores importantes, sem dúvida. Mas não se pode deixar de lado a pressão dos juros sobre a dívida interna.
Enquanto os gastos com o funcionalismo cresceram 8% -o que em si é um absurdo-, a dívida mobiliária aumentou 60% -saltando de R$ 63 bilhões no início do ano para R$ 98 bilhões no final do exercício. A carga de juros reais aumentou 51%. Foi o maior item de despesa, estranhamente omitido no diagnóstico das causas do referido déficit.
Fica impossível administrar um país, uma empresa ou uma família quando as despesas crescem 15% e as receitas, apenas 8%. Igualmente impossível é gerenciar uma nação quando o Congresso Nacional se mantém insensível às reformas estruturais que esse país tanto necessita.
É verdade que mudar a previdência e o estatuto do funcionalismo público não traz nenhum alívio imediato. Mas é também verdade que não mudar, isso provocará um desastre certo. Além do mais, uma reforma tributária que aumente a base de arrecadação e diminua as alíquotas, assim como uma reforma fiscal que redistribua as responsabilidades entre União, Estados e municípios, trariam efeitos muito positivos em prazo bem mais curto.
Nenhuma delas, porém, mereceu, até agora, a devida atenção do Congresso Nacional. O embate de lá repete-se do lado de cá. Na verdade, os presidentes Bill Clinton e Fernando Henrique Cardoso tornaram-se reféns de seus respectivos Congressos.
Com honrosas exceções, a insensibilidade dos parlamentares brasileiros é patente. Em uma hora de tanta aflição no Brasil e no momento em que o governo americano entra em greve, o que fazem os congressistas?
Uma parte vai passear lá mesmo, no país que fechou as portas, sob o anêmico pretexto de observar a Assembléia Geral da ONU. Outra parte descansa aqui em berço esplêndido. Resultado: uma semana sem quórum e sem votação.
Não está na hora de os nossos congressistas pensarem mais no Brasil do que em si? O fato de termos baixado a inflação não significa o fim da guerra. Temos muitas batalhas pela frente. A principal delas é cortar pela raiz os males da nossa dívida interna que, aliás, acaba de ultrapassar a externa.
Se nada for feito, o horizonte é negro e jogará por terra o enorme esforço que a sociedade já fez para debelar a inflação. Alguém terá de pagar essa dívida. Quem ficará com o mico? Quais as consequências sociais de uma "débâcle" desse tipo?
Essas são questões que deveriam atormentar a mente dos nossos viajantes, de modo a levá-los a encontrar uma solução urgente para o problema. Por falar em "ismos", o Brasil está precisando de mais patriotismo e menos turismo.

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