São Paulo, domingo, 19 de novembro de 1995
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A lei e o rei

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Semana passada, entrevistado por Marília Gabriela, ela quis saber se eu não via nada de bom no atual governo. Respondi que via apenas a legitimidade do atual esquema de poder: FHC chegou lá obedecendo as regras do jogo, embora ditas regras tenham macetes que todos julgamos reprováveis.
Na Escandinávia, na Suíça, no Canadá, minha resposta poderia parecer incompreensível. Mas no Brasil, onde os governos ilegítimos são tão numerosos quanto os legítimos, conceder aos atuais governantes a legitimidade não é esmola: é justiça e dever.
A entrevista era sobre outro assunto e não pude completar meu pensamento a respeito dessa legitimidade. A qual, no meu entender, está com os dias contados, pois se prepara uma alteração na regra do jogo para permitir a reeleição do atual presidente e de seus amigos.
Evidente que a tese da reeleição é respeitável, aceita e aconselhável em democracias mais robustas do que a nossa. O problema é mesmo moral -e, enquanto a política for dissociada da moral, ela só poderá ser nefasta.
Da mesma forma que a lei e os bons costumes proíbem uma legislatura do Congresso de estipular vencimentos para si própria, da mesma forma que certos tributos só entram em vigor em exercício fiscal seguinte, os bons costumes e a moral impedem a legislação em causa própria. O fato de o atual governo se considerar vitorioso e bacana, de dispor da máquina (que na realidade se limita a um computador e a uma caneta), não justifica a violência moral de mudar a regra do jogo em benefício próprio.
Ao patrocinar a reeleição, colocando a serviço dela os citados computador e caneta, o presidente começará a perder a sua legitimidade. Pior do que o exemplo de Fujimori, estará copiando o regime militar que prorrogou mandatos e fez do congresso um aglomerado informe de "yes men" que violentavam a lei para agradar ao rei.
Com a agravante: o regime militar pressionava pelo medo. O congressista tinha de escolher entre o pescoço e a submissão. A opção agora -sabemos todos- é mais calhorda.

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