São Paulo, segunda-feira, 20 de novembro de 1995
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Suspeitas cercam o negócio

CLÓVIS ROSSI
DA REPORTAGEM LOCAL

O que se divulgou até agora sobre o episódio Sivam/embaixador Júlio César Gomes dos Santos parece mais encobrir do que revelar fatos.
A pilha de perguntas que devem ser formuladas sugere que o que se divulgou é apenas a ponta de um enorme "iceberg" que, se não for devidamente apurado, pode comprometer o governo Fernando Henrique Cardoso de forma irremediável.
O "grampo"
Primeira questão: é inaceitável a versão de que a escuta no telefone do embaixador foi solicitada -e aceita pela Justiça- a partir de uma mera denúncia anônima sobre tráfico de drogas.
Se a Polícia Federal fosse "grampear" telefones a partir de denúncias anônimas, o princípio constitucional da privacidade estaria condenado ao arquivo. Qualquer um que tivesse um desafeto o acusaria anonimamente de qualquer coisa, e, pronto, o telefonema do inimigo ficaria grampeado.
Tudo leva a crer que a ação da PF, no caso do embaixador, se deveu a muito mais do que mera denúncia anônima, até porque sabidamente a polícia não tem nem homens nem equipamentos para agir com tanta presteza.
O mais provável é que alguém, com poder suficiente para fazer funcionar as engrenagens policiais, dispunha de informações (ou suspeitas) muito mais densas. Quem é esse alguém e que informações (ou suspeitas) detinha ou detém?
É extrema ingenuidade imaginar que um eventual tráfico de influências só se tenha exercido na fase atual do caso Sivam (sua aprovação pelo Senado).
É bom lembrar que, na fase mais complexa (a da escolha da firma que montaria o sistema), o jornal "The New York Times" informou que autoridades brasileiras haviam recebido propinas da firma francesa Thomson, derrotada na concorrência pela norte-americana Raytheon.
Ora, se houve propinas da perdedora, é difícil acreditar que a ganhadora tenha agido com a mais absoluta limpeza.
Lobby americano
A Raytheon, aliás, recorreu até a um lobby de autoridades norte-americanas de primeiro escalão, o secretário do Comércio, Ron Brown, que pressionou o governo brasileiro a dar o Sivam à firma dos EUA.
É sempre suspeito um funcionário público dedicar-se ao lobby de uma companhia privada, mesmo quando se sabe que a concorrente era de outro país.
O lobby parece ter sido tão poderoso que o presidente Fernando Henrique Cardoso deixou claro que a Raytheon continuaria com o o projeto de vigilância da Amazônia mesmo que a Justiça inviabilizasse a participação da Esca, sua sócia brasileira no projeto, afinal considerada inidônea.
Há, como se vê, sombras demais sobre o projeto.

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