São Paulo, segunda-feira, 20 de novembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Hanim do amor perdido

JOSUÉ MACHADO

O Brasil já tem o melhor futebol do mundo, o melhor Carnaval do mundo, as melhores mulatas do mundo, os melhores banqueiros do mundo, a melhor reforma agrária do mundo, o melhor Romário do mundo, a melhor distribuição de renda do mundo. E muitos pensam que este país, junto com Portugal, foi abençoado por Deus também com a melhor saudade do mundo. A melhor, não: a única, dizem muitos, certos de que "saudade" é palavra sem equivalente em outras línguas. Intraduzível, portanto.
O leitor Ubirajara Dolacio Mendes, de São Paulo, lembra que não é bem assim e escreve:
"Por duas vezes um articulista da última página da 'Ilustrada' (Folha) expendeu, com certo orgulho pela língua que falamos, que a palavra 'saudade' só existe em português. E (...) na Revista da Folha o sr. Caio Túlio Costa repete, ancho, que '... saudade, existente somente na língua portuguesa..."'
"(...) na verdade não somos os donos exclusivos de tão sensível vocábulo. O falecido professor Marques da Cruz em seu 'Português Prático' já informava que os russos tinham a palavra 'tosca' com o mesmo sentido (...). E também em alemão, 'sehnsucht'; 'shauck' em árabe; 'garod' em armênio; 'jal' em iugoslavo; e 'ilgas' em letônio. Da minha parte posso afirmar a existência dessa palavra também em japonês: 'natsukashi' (...). E ainda em macedônio: 'nedôstatok'."
O leitor está certo. Por que brasileiros e portugueses, povos já tão abençoados por Deus, tão bem governados, teriam o privilégio de só eles sentir saudades? Saudade é recordação nostálgica e suave de pessoas ou coisas distantes, de pessoas ou coisas passadas. É um sentimento de amor e de ausência.
A filóloga portuguesa Carolina Michaelis de Vasconcelos (1851-1925), nascida na Alemanha, já tinha definido em "A Saudade Portuguesa" a "plena concordância que há entre Saudade e a 'Sehnsucht' dos alemães..."
Em seu "Questões de Português" (Ed. Saraiva), o professor Silveira Bueno (1898-1989) anotou o vocábulo húngaro "sóvárgás" e lembrava que o francês pode usar "regret" e o italiano "nostalgia" para exprimir o sentimento da saudade. E o professor Napoleão Mendes de Almeida registra em seu "Dicionário de Questões Vernáculas" (Ed. Caminho Suave) duas palavras árabes equivalentes a saudade: o aportuguesado "chauque" e "hanim", palavra onomatopaica. "Hanim" "reproduz a voz da camela que ao chegar ao destino de uma viagem volta a cabeça na direção do lugar em que deixou o filho e expressa com um 'hanim' alto, longo e sentido, o pesar do afastamento".
"Hanim!, hanim!", temos vontade de balir alto, longa e lamentosamente como a camelona saudosa a cada governo que termina, depois de cumprir todas as promessas e rejeitar a reeleição oferecida por patotas idealistas e desinteressadas.
Hanim!

Texto Anterior: Cidade do Ceará será submersa por açude
Próximo Texto: 'Mulheres sem medo do poder'
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.