São Paulo, segunda-feira, 20 de novembro de 1995
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Milton Nascimento comanda festa barroca para Zumbi dos Palmares

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

A "Missa dos Quilombos" termina com uma emocionante procissão, marcada por uma música de exaltação, entre católica e africana. O coro, Zezé Motta, o padre e por fim Milton Nascimento seguem uma bailarina negra vestida à imagem de Nossa Senhora Aparecida, levada em pedestal.
Em outros tempos, o teatro já foi assim, no Brasil. As peças aconteciam como missas abertas em que os padres eram atores, em que coros de meninos cantavam e dançavam, em que a liturgia se confundia com a dramaturgia. No centro do ritual, a música.
Como então, o espetáculo acontecia diante da cidade, como na sexta-feira com a Missa dos Quilombos, diante de dezenas de milhares de pessoas, no vale do Anhangabaú, em São Paulo -e como hoje, às 18h, na praça dos Três Poderes, em Brasília.
Mas as peças-festas barrocas dos séculos 16 e 17 não explicam inteiramente esta missa, na forma extraordinária que tomou com as orações, ladainhas e ofertórios de Milton Nascimento -apoiado em letras e recitativos de d. Pedro Casaldáliga e Pedro Tierra.
A exemplo do que ocorreu historicamente com o Carnaval, a Missa dos Quilombos reuniu à procissão barroca a batida africanas. Assim, a abertura é a dança dos elementos, água, fogo, que já traz um dos componentes de cultura africana da celebração.
Os bailarinos Rosy Zambesi e Alexandre Ducarmo fazem movimentos firmes, ritmados com a violência, com o poder de marcação do canbomblé, na percussão dominante no ritual, em particular na abertura. Rosy Zambesi, em solo, levanta o público, que aplaude exultante em meio à cena.
E, como num desfile, levados pela bateria, entram referências brasileiras de toda ordem com o coro, como camisas da seleção de futebol, estandartes com a cruz. Ao fundo, aqui e ali, as vozes de Milton Nascimento e Clementina de Jesus, em gravação.
Por fim, a própria cruz, para compor o altar no palco.
O candomblé entra com consciência na Missa dos Quilombos, como fica claro no início de "Em Nome de Deus", cantada por Milton Nascimento. "Em nome do Deus de todos os nomes - Javé, Obatalá, Olorum, Oió".
Durante a apresentação, as referências negras mais diversas surgem como que ecumenicamente, do "bom pastor" Martin Luther King a Steven Biko, de Grande Otelo ao homenageado Zumbi.
Mas a celebração, claro, é católica e brasileira, com direito ao hino nacional e tendo como imagem central a de Nossa Senhora, em especial a "Negra Aparecida", incorporada por Rosy Zambesi.
A atriz Zezé Motta, com uma emocionada participação no ritual todo, nos recitativos, tem um momento maior ao celebrar o pão, no ritual. Trabalha o pão com a dor de séculos de escravidão.
Mas é Milton Nascimento o protagonista da bela Missa dos Quilombos -aliás, reduzida ao mínimo na sua porção litúrgica, propriamente, para o palco.
Cantando ou regendo, é ele quem, iluminado, celebra Deus.

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